O debate sobre a greve dos estivadores tem sido escasso. Mas um dos
raros locais onde é feito, de forma polémica, é neste blog, o único
lugar em toda a esquerda portuguesa onde partidos e tendências de todo o
espectro da esquerda realmente debatem. Aqui, e em mais lugar nenhum,
posições distintas, são confrontadas. O Tiago Mota Saraiva
escreveu um post que creio suscita ainda mais debate: para prestar
homenagem a Francisco Louçã, no mesmo, post, acusa os estivadores de
serem «endeusados» e terem nas suas hostes «importantes núcleos de
extrema-direita». Eu tenho uma opinião um pouco distinta que
aqui partilho para que o debate contínue:
A acusação grave de que os estivadores têm nas suas hostes
«importantes núcleos de extrema-direita» é tão séria que devia, creio,
ser sustentada com factos: quem são esses núcleos importantes, quantos
são, a que organização estão ligados, o que dizem os dirigentes
sindicais dos estivadores desses núcleos «importantes» de extrema-direita? O que diz a CGTP sobre a greve que apoia, que tem «núcleos de extrema-direita»?
Não menos importante. Que atitudes de extrema direita tiveram os
estivadores: racismo, perseguição a dirigentes sindicais ou
do movimento operário, xenofobia, insultos a imigrantes? Tudo parece ter
começado porque alguns estivadores levantaram o braço, algo que já vi
algumas centenas de vezes nas manifestações dos últimos anos. Na
tradição marxista o que os trabalhadores são objectivamente é
mais importante do que o que fazem, se não teríamos que associar à
direita todos os milhares de trabalhadores deste país que cantam o hino
nacional (uma música dedicada à concórdia entre as classes).
Os estivadores não são endeusados, são vilipendiados pelos media
liberais, com mentiras descaradas, 24 horas por dia, por a sua greve
fugir ao controle dos patrões, e das centrais sindicais, mesmo daquela
que formalmente os apoia, a CGTP. Porque a CGTP tem uma atitude ambígua
face à greve, apoia-a mas não parece apoiar os métodos, daí o «deslize»
de Arménio Carlos sobre a polícia.
A experiência e a consciência de classe não são a mesma coisa: um
trabalhador pode estar a lutar e a bloquear a produção, e estando assim
objectivamente contra a propriedade privada, mas subjectivamente
estar a defender a democracia representativa e o interesse nacional,
entre outras coisas porque a consciência dos trabalhadores é deformada
pela ideologia burguesa e/ou pela ideologia dos partidos de esquerda que
os dirigem. Pergunto-me: é mais de direita prejudicar a economia
nacional, bloqueando os portos, com o braço esticado ou defender o
«interesse nacional» e a «economia nacional», de punho erguido?
Eu gostaria que todos os trabalhadores, todos, tivessem lido Lukacs
sobre a consciência de classe e o Livro I do Capital. Chegassem ao fim
do dia percebendo que a riqueza só vem do trabalho. Cantassem a
Internacional, de punho esquerdo erguido, e não batessem na mulher.
Respeitassem as opções sexuais de cada um e não deixassem os filhos
tratar mal os professores e não chamassem «pretos» aos imigrantes que
chegam de África, com uma mão na frente e outra atrás. Acredito que um
dia todos chegaremos a este acordo mínimo de civilização.
A greve dos estivadores não é mais uma: eles hoje são os nossos
mineiros, médicos, professores, precários, porque a sua greve está a
bloquear a estratégia da Troika, o mesmo é dizer defender
o Estado Social, e por isso o Estado Armado, de polícia e requisição
civil, quer impor-lhes uma derrota.
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