14 de maio de 2011

Portos portugueses alcançaram 75% da performance dos alemães

Intervenção do Secretário de Estado dos Transportes na cerimónia de constituição da Associação dos Portos de Língua Portuguesa, em Lisboa
Exmo. Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações de Portugal,
Exmo. Sr. Presidente da Associação dos Portos de Portugal,
Exmos. Srs. Presidentes e Representantes dos Portos dos Países de Língua Portuguesa,
Ilustres Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Somos uma comunidade de países soberanos que têm em comum, para além da língua, do excelente relacionamento, da amizade que liga os nossos povos e da história partilhada, o facto de todos sermos oceânicos. Sendo o que resta de um império marítimo, natural se torna que sejamos, e antes de mais, os portos onde os portugueses do passado foram desembarcando e assim modelando espaços territoriais e relações de produção e de transporte entre o interior e o litoral e entre este e os portos que viabilizaram as relações comerciais do império.
Estamos pois historicamente ligados por portos e, por isso, o acordo que hoje se estabelece, tem um significado profundo.
Assim sendo, como poderemos potenciar este mar que nos une e os portos que nos servem? Como poderemos transformar esta vantagem comparativa de que, em conjunto, dispomos, em vantagem competitiva no quadro da economia global?

É sobre este tema que me irei debruçar e perdoem-me desde já se a exposição ficar extensa.
A globalização pode ser definida como dispersão geográfica da produção e forte dependência do comércio.
De 1950 até hoje o comércio mundial cresceu mais de 20 vezes, seja em toneladas, seja em valor, crescimento que foi fortemente acelerado a partir dos anos 80.
Hoje, cerca de 90% do comércio mundial, em toneladas/km, é transportado pela indústria mundial do shipping, que envolve mais de 50 000 navios transportando todo o tipo de carga.
Este enorme crescimento fez-se impondo transformações muito profundas nas actividades ligadas ao comércio marítimo.
Nos anos 60 os contentores entram a medo na logística do transporte marítimo, como ideia de alguém que foi considerado lunático, mas rapidamente se afirmam devido aos aumentos de eficiência que permitem. Em 2006 a frota de contentores terá atingido os 500 milhões, medidos em TEU, com os contentores de 40 pés a ganharem quota aos de 20 (1 TEU). De facto se em 1986 existia 1 contentor de 40 pés por cada 2,16 caixas de 20, em 2007 o rácio já era de 0,94, ou seja, circulavam mais caixas de 40 pés do que de 20. Os navios adaptaram-se a esta nova forma de transportar. Os porta-contentores com capacidade para carregar mais de 8 000 TEU representavam em Dezembro de 2008 uma capacidade total superior a 1,5 milhões de contentores de 20 pés-equivalente, com encomendas de novos navios que criarão um acréscimo de capacidade de 3,5 milhões de TEU.
O MSC Daniela era em 2009 o maior porta-contentores ao serviço, com capacidade para 14 000 TEU. Neste ano de 2011 são já vários os navios desta dimensão que vêm escalando regularmente o porto de Sines.
Por sua vez os principais portos do mundo adaptaram-se a processar grandes volumes de contentores. O porto de Hong Kong manipulava, em 1985, 2,3 milhões de TEU; em 2008 o seu movimento foi de 27,1 milhões. E já nem é dos maiores portos. Em 2007, Singapura movimentou cerca de 28 milhões e dos 10 maiores portos do mundo, cinco eram chineses.
Em relação ao total de carga manipulada, Xangai já era em 2007 o maior porto do mundo, com mais de 600 milhões de toneladas ano. Dos dez maiores portos, sete são chineses.
De referir ainda a forte tendência para a concentração de capital no negócio marítimo. Este negócio inclui múltiplas actividades que vão da construção e reparação naval aos diferentes serviços com ele relacionados, têm fortíssimo impacte nas economias nacionais e, portanto, são fortemente disputados pelas Nações.
Quatro países (Grécia, Japão, China e Alemanha) concentram 50% da frota mundial. Dez operadores transportaram, em 2010, 62% do total de contentores.
Por outro lado, a operação de terminais foi amplamente entregue a operadores privados. Os dez principais operadores mundiais de terminais eram em 2008 responsáveis por 60% do movimento total de contentores.
O mercado mundial do transporte marítimo é muito complexo, todos o sabemos. O transportador escolhe as suas rotas e os portos que escala de acordo com critérios muito rigorosos, onde cada cêntimo conta. O objectivo é, obviamente, minimizar custos num mercado marcado pela forte concorrência de gigantes. Por isso, a eficiência da operação portuária e a dimensão dos seus hinterlands constituem factores críticos de sucesso de um porto.
Como pode então um porto ser competitivo nesse mercado cada vez mais global?
Vários autores apontam para critérios a usar para medir a eficiência de um porto. Prendem-se eles a questões físicas, como a extensão do cais, a profundidade das águas, a área portuária, a localização em relação às linhas do shipping, os equipamentos portuários ou a capacidade teórica de processamento de carga. Mas também, e cada vez mais, são valorizados aspectos não físicos, tais como: os tempos de espera de navios, o dwell time ou tempo de espera das cargas em porto até serem despachadas ou carregadas, a segurança das cargas, a existência no local de facilidades complementares, tais como agências bancárias, transitários, agentes de navegação, seguradoras, hotéis, etc., eficiência do funcionamento das alfândegas, nível de automatização, gestão do trabalho portuário ou ainda a existência de plataformas logísticas com actividades de valor acrescentado.
Um porto realmente competitivo deverá manipular, por ano, entre 900 e 1 300 contentores por metro de cais, ou entre 35 000 e 45 000 contentores por hectare de espaço para parqueamento. Os melhores portos asseguram ainda entre 50 e 120 movimentos de contentores por hora e cais de atracação.
Mas um porto só será realmente atractivo se ele constituir uma rótula de articulação de uma cadeia logística. Este é, actualmente, a principal questão que enfrentamos em Portugal, e permitam-me que neste fórum me refira ao meu País e aos portos cuja Tutela foi delegada nesta Secretaria de Estado.
Por mais eficientes que eles sejam, e actualmente podemos dizer com algum orgulho que o são, eles não potenciarão a totalidade das oportunidades que enfrentam se não estiverem bem articulados na cadeia logística que permite que uma mercadoria vá de uma origem até ao seu destinatário final em tempo mínimo.
E para lá da eficiência da operação portuária, é necessário que as operações que acrescentam valor à mercadoria estejam bem localizadas na área portuária, que todo o sistema de transporte terrestre, rodoviário e ferroviário, esteja articulado com o porto e, por fim mas não de menor importância, que os sistemas de informação permitam, perdoem-me o anglicismo, um adequado tracking & tracing de cada encomenda.
O Banco Mundial publica um indicador, o Logistic Performance Index, (LPI), de enorme importância para a compreensão dos factores que determinam a competitividade das cadeias logísticas de cada país. O indicador varia entre 1 e 5, correspondendo o 5 às cadeias mais eficientes.
No seu cálculo, ele pondera essencialmente 6 atributos:
  • A eficiência do processo alfandegário de despacho
  • A qualidade das infraestruturas de transporte
  • A facilidade de aceder a contratos de transporte marítimo baseados em preços internacionalmente competitivos
  • Competência e qualidade dos serviços logísticos
  • Capacidade para o tracking & tracing de encomendas
  • Frequência com que as cargas chegam aos consignatários no tempo acordado ou esperado.
A Alemanha é o país que, em 2010, atinge o maior LPI: 4,11 pontos. Portugal está situado em 34.º lugar (3,34 pontos), com uma performance que representa 75% da classificação alemã. O Brasil ocupa a 41.ª posição, logo acima da Islândia, e os restantes países de língua portuguesa ocupam lugares mais baixos.
Os dados disponibilizados pelo Banco Mundial mostram-nos também que:
  • Em Angola são necessários 52 dias para exportar um produto e 49 dias para importar;
  • No Brasil precisamos de 13 e 17 dias respectivamente;
  • Em Cabo Verde falamos de 19 e 18 dias;
  • Na Guiné-Bissau de 23 e 22 dias;
  • Em Moçambique, 23 e 30 dias;
  • No caso Português, estão em causa 16 e 15 dias;
  • Em São Tome e Príncipe, 27 e 29 dias;
  • E, finalmente, no caso de Timor, estes tempos ascendem a 25 e 26 dias respectivamente.
Para termos uma ideia, no caso de Singapura, o primeiro país do ranking mundial em matéria de eficiência do processo inerente ao comércio externo, são necessários apenas 5 dias para proceder a uma exportação e 4 dias para fazer uma importação.
Contudo, recordo que a acessibilidade conferida pelo transporte marítimo, medida pelo índice de conectividade linear, o qual valoriza o número de navios que escalam cada porto, nos mostra que, entre 2004 e 2010:
  • Angola cresceu de uma conectividade de 9,67 para 10,71;
  • O Brasil passou de 25,83 para 31,65;
  • Cabo Verde fixou-se em 3,69 quando em 2004 não ia além de 1,90;
  • A Guiné-Bissau passou de 2,12 para 3,50;
  • Moçambique registou em 2010 um valor de 8,16, comparáveis com 6,64 em 2004;
  • Portugal teve um notável crescimento, passando de 17,54 para 38,06;
  • E, finalmente, São Tomé e Príncipe passou de 0,91 para 3,33 (infelizmente para Timor, a UNCTAD não disponibiliza dados relativamente a este indicador).
Ou seja, é constatável uma dinâmica de melhoria em todos os nossos países.
Devo aqui realçar o que Portugal já conseguiu com o desenvolvimento da sua JUP, Janela Única Portuária, que se traduziu numa redução drástica do dwelling time de mercadorias e de tempos de operação de navios.
A Janela Única Logística é o novo passo que estamos a ensaiar e que esperamos ter em Dezembro um primeiro protótipo para testar.
A criação e operacionalização da JUP foi talvez o principal factor que determinou a forte melhoria da classificação de Portugal em relação a este indicador.
Ficaria incompleta esta exposição que, reconheço, já vai longa, e perdoem-me por tal facto Vossas Excelências, se não fizesse uma abordagem à crise económica que ainda estamos a viver, e que em grande medida irá determinar o futuro.
A crise financeira que teve a sua maior expressão em 2008 originou uma crise no sector real a qual deu lugar a uma retracção do volume de trocas mundial.
Uma interessante publicação de Maio de 2009 do Fórum Internacional de Transportes, intitulado «Globalisation, Crisis and Transport», mostra que a contracção das trocas é superior à contracção dos PIBs: enquanto em 2009 este terá descido, de acordo com o FMI, 1,3% a nível mundial, os volumes de trocas deverão ter baixado 11%.
A recuperação da crise parece estar, actualmente, a ocorrer, registando-se um crescimento importante das trocas. Quanto ao futuro, as interrogações permanecem. Poderá ocorrer uma situação de retoma do comércio aos ritmos que vinham de trás após a crise estar ultrapassada, ou outros cenários menos optimistas poderão vir a acontecer.
O crescimento previsto até 2020 para o volume de carga contentorizada varia entre mais 30%, cenário baixo, ou 46%, no melhor cenário.
Entretanto, a crise teve importantes impactos nos tempos mais recentes. Em Maio de 2009 cerca de 10% da frota de contentores estava inactiva. Baixaram as encomendas de novos navios porta-contentores, o que atrasa a penetração de navios mais eficientes do ponto de vista energético. Estima-se que em Maio de 2009, 325 encomendas de navios de carga geral, 47 petroleiros e 78 porta contentores, num total de 37 milhões de DWT, terão sido canceladas.
A redução da procura originou um esmagamento dos preços do transporte. Os navios menos eficientes foram entretanto abatidos para sucata, o que originou a redução dos preços da tonelada de sucata.
Por outro lado, a subida de preços da passagem pelo Canal do Suez e a pirataria na Eritreia, que aumentou drasticamente o preço dos seguros, vêm levando muitos transportadores a escolher a rota do Cabo, já que o maior número de dias de transporte nos tráfegos Este-Oeste é compensado pela existência de navios que estavam a ser pouco utilizados nas companhias devido à crise, e que a alternativa de vender para sucata deixou de ser atractiva.
Estima-se que o tempo de retoma dos ritmos de crescimento dos tráfegos será de 5 anos, desde que práticas proteccionistas não venham a ganhar espaço, pondo em causa todo o processo de globalização.
Na rota Norte-Sul no Atlântico, e particularmente as ligações com o Atlântico Sul, a triangulação conferida por Portugal (na Europa), Brasil (na América do Sul) e Países Africanos (em África), conferem-nos um potencial que importa, diria que urge, explorar e consolidar.
Visto de Portugal, o comércio marítimo com os restantes países CPLP já representa um valor superior a 5 milhões de toneladas, com tendência crescente nos últimos anos.
É neste quadro global que constituímos hoje a Associação dos Portos de Língua Portuguesa, assinando o presente acordo.
Ele deverá constituir também um passo para enfrentar os efeitos da crise.
Será preciso estabelecer caminhos para obter ganhos de produtividade nos portos dos nossos países, partilhando experiências e conquistas, modelos de gestão, e recursos humanos e técnicos.
Contribuindo assim para afirmação de cada um dos nossos portos no espaço geográfico em que se insere, mas também para facilitar as trocas comerciais entre os nossos países.
No quadro da redefinição das Redes Transeuropeias de Transporte, Portugal vem conseguindo afirmar-se como porta de entrada e saída do tráfego europeu com o resto do mundo, o que é assegurado pela existência de portos com operação eficiente e progressivamente mais bem articulados em termos logísticos e de transporte com o espaço europeu.
Esta é uma oportunidade para os países que integram a nossa Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Possessio Maris, assim fez Fernando Pessoa o epílogo à segunda parte da «Mensagem».
Que seja esse o caminho que os nossos Povos, aqui e agora organizados em comunidade de interesses, saibam trilhar.
Se há 600 anos soubemos vencer o medo do desconhecido, brindo a que agora, novamente reunidos pelo Mar, saibamos avançar, com engenho e audácia, para a conquista da distância, estreitando as relações que há muito unem os portos dos países da CPLP.
Cabe-nos a nós transformar estes laços, esta oportunidade, para promover uma maior colaboração e cooperação entre os nossos portos. Colaboração e cooperação ao nível comercial, técnico e científico, para as quais a constituição da Associação dos Portos de Língua Portuguesa dará um contributo inestimável, não tenhamos dúvidas.
Que esta Associação não seja apenas mais um acto meramente protocolar mas venha a ter o contributo activo e entusiástico de todos os nossos países, são os meus votos.
Que ele sirva como ponto de partida para aumentar a eficiência dos portos, para promover as trocas comerciais por via marítima, que esses portos tenham um forte efeito dinamizador de outras actividades conexas geradoras de emprego e de riqueza, são os meus votos.
Concluo reafirmando que, da nossa parte, da parte de Portugal, podem contar com todo o apoio que estiver ao nosso alcance.
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1 comentário:

Joao L Pinho disse...

???
respostas e propostas, existem?