E porque eu hoje estive doente...lembrei-me deles.
Há
sempre aspectos positivos e aspectos negativos Em todos os sectores de
actividade. Há sempre realidades que agradam e outras que desagradam. E é
depois dos diagnósticos – e há-os feitos à medida de cada freguês – que
vêm, corrijo, que devem vir as reformas. Neste ponto do trajecto,
divergimos novamente. Há que separar bem as águas. As reformas nem são
necessariamente boas, nem são uma mera expressão do dinamismo
desinteressado do Governo que as implementa.
É
verdade que existem, ao menos em teoria, reformas que, partindo de um
diagnóstico negativo e utilizando-o como ferramenta de trabalho, tentam
transformar uma realidade à partida pior noutra melhor. Mas também
existem outras, e os últimos tempos de reformismo compulsivo têm sido
férteis, que, aproveitando um diagnóstico menos positivo como pretexto
para a sua implementação, porque têm como único objectivo a satisfação
de interesses clientelares bem nossos conhecidos, procuram transformar
uma realidade de partida noutra, embora melhor para quem servem, ainda
pior para quem deveriam servir: todos nós.
Tudo isto a propósito dos dois dias da greve convocada pelos dois sindicatos dos médicos e apoiada pela Ordem, que hoje teve início.
Já por várias vezes aqui escrevi sobre o inexplicável regime de
ubiquidade que abrange a classe, bem diverso do regime de exclusividade a
que estão obrigados todos os demais servidores do Estado, e que
potencia as mais variadas promiscuidades entre a medicina exercida no
Serviço Nacional de Saúde e aquela que o é em consultórios em clínicas
privadas. Apesar do sistema apenas ter a ganhar com o fim desta insólita
excepção à regra, objectivamente, esta não é uma preocupação do
Governo, pelo que também não é o motivo da Greve. Ninguém faz greve por
algo que se mantém intocável.
Na
sociedade que os últimos Governos têm promovido, todos temos vindo a
perder o direito a uma carreira que remunera crescentemente a
experiência e as novas competências. Na sua vez, paulatinamente, tem-se
instalado um novo modelo organizacional que desvaloriza completamente o
desenvolvimento profissional e pessoal, segundo o qual quem vive do seu
trabalho se vê obrigado a vendê-lo por um valor tão mínimo quanto o
exija a precariedade que lhe seja oferecida por um intermediário que tem
como única função social enriquecer, rentabilizando os contactos que
tenha junto de centros de decisão, ao mesmo tempo que explora quanto
pode um factor trabalho atomizado, tão barato quanto descartável.
A
falta de reacção a este regresso ao passado, pintalgada aqui e ali de
fervor patriótico e alimentada pela propaganda que publicita esta agenda
política como a que melhor serve um suposto “interesse público”, tem
facilitado aos Governos um enorme sucesso na sua implementação, assim
como em “reformas necessárias” com vista ao desmantelamento de serviços
públicos. O actual Governo lembrou-se de concluir a tarefa deixada
inacabada pelos seus antecessores no sector da Saúde. Objectivo:
acelerar o desmantelamento em curso de um Serviço Nacional de Saúde há
muito apetecido pelos clientes crónicos dos negócios da nossa ruína
gerados pelos sucessivos Governos, ora do PS, ora do PSD, com ou sem o
CDS.
E deu-se mal. A adesão quase a 100%
do primeiro de dois dias de greve dos médicos aí está para comprová-lo.
É uma greve em defesa do SNS, pela nossa Saúde. Mas é também uma greve
pelo direito a uma carreira e à valorização profissional que lhe está
estreitamente associada, uma greve pelo respeito a um referencial de
estabilidade importante para todos os sectores de actividade. Como tal, é
uma greve que apoio inteiramente. Um exemplo a seguir por outros
sectores que, ao deixarem-se enredarem disputas entre trabalhadores do
público e trabalhadores do privado ou concentrando as suas energias em
jogos de cobiça social patrocinados pelo poder político, perderam de
vista quanto vale cerrar fileiras e lutar por objectivos colectivos.
Juntos, arriscamo-nos a fazer com que deixe de ser sempre a perder. A voltar a ganhar.
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