11 de julho de 2012

Tudo anarquistas e sindicalistas, claro. Que toda a gente sabe que os médicos são uns lacaios de moscovo.


E porque eu hoje estive doente...lembrei-me deles.
Há sempre aspectos positivos e aspectos negativos Em todos os sectores de actividade. Há sempre realidades que agradam e outras que desagradam. E é depois dos diagnósticos – e há-os feitos à medida de cada freguês – que vêm, corrijo, que devem vir as reformas. Neste ponto do trajecto, divergimos novamente. Há que separar bem as águas. As reformas nem são necessariamente boas, nem são uma mera expressão do dinamismo desinteressado do Governo que as implementa.
É verdade que existem, ao menos em teoria, reformas que, partindo de um diagnóstico negativo e utilizando-o como ferramenta de trabalho, tentam transformar uma realidade à partida pior noutra melhor. Mas também existem outras, e os últimos tempos de reformismo compulsivo têm sido férteis, que, aproveitando um diagnóstico menos positivo como pretexto para a sua implementação, porque têm como único objectivo a satisfação de interesses clientelares bem nossos conhecidos, procuram transformar uma realidade de partida noutra, embora melhor para quem servem, ainda pior para quem deveriam servir: todos nós.

Tudo isto a propósito dos dois dias da greve convocada pelos dois sindicatos dos médicos e apoiada pela Ordem,  que hoje teve início. Já por várias vezes aqui escrevi sobre o inexplicável regime de ubiquidade que abrange a classe, bem diverso do regime de exclusividade a que estão obrigados todos os demais servidores do Estado, e que potencia as mais variadas promiscuidades entre a medicina exercida no Serviço Nacional de Saúde e aquela que o é em consultórios em clínicas privadas. Apesar do sistema apenas ter a ganhar com o fim desta insólita excepção à regra, objectivamente, esta não é uma preocupação do Governo, pelo que também não é o motivo da Greve. Ninguém faz greve por algo que se mantém intocável.

Na sociedade que os últimos Governos têm promovido, todos temos vindo a perder o direito a uma carreira que remunera crescentemente a experiência e as novas competências. Na sua vez, paulatinamente, tem-se instalado um novo modelo organizacional que desvaloriza completamente o desenvolvimento profissional e pessoal, segundo o qual quem vive do seu trabalho se vê obrigado a vendê-lo por um valor tão mínimo quanto o exija a precariedade que lhe seja oferecida por um intermediário que tem como única função social enriquecer, rentabilizando os contactos que tenha junto de centros de decisão, ao mesmo tempo que explora quanto pode um factor trabalho atomizado, tão barato quanto descartável.

A falta de reacção a este regresso ao passado, pintalgada aqui e ali de fervor patriótico e alimentada pela propaganda que publicita esta agenda política como a que melhor serve um suposto “interesse público”, tem facilitado aos Governos um enorme sucesso na sua implementação, assim como em “reformas necessárias” com vista ao desmantelamento de serviços públicos. O actual Governo lembrou-se de concluir a tarefa deixada inacabada pelos seus antecessores no sector da Saúde. Objectivo: acelerar o desmantelamento em curso de um Serviço Nacional de Saúde há muito apetecido pelos clientes crónicos dos negócios da nossa ruína gerados pelos sucessivos Governos, ora do PS, ora do PSD, com ou sem o CDS.

E deu-se mal. A adesão quase a 100% do primeiro de dois dias de greve dos médicos aí está para comprová-lo. É uma greve em defesa do SNS, pela nossa Saúde. Mas é também uma greve pelo direito a uma carreira e à valorização profissional que lhe está estreitamente associada, uma greve pelo respeito a um referencial de estabilidade importante para todos os sectores de actividade. Como tal, é uma greve que apoio inteiramente. Um exemplo a seguir por outros sectores que, ao deixarem-se enredarem disputas entre trabalhadores do público e trabalhadores do privado ou concentrando as suas energias em jogos de cobiça social patrocinados pelo poder político, perderam de vista quanto vale cerrar fileiras e lutar por objectivos colectivos. Juntos, arriscamo-nos a fazer com que deixe de ser sempre a perder. A voltar a ganhar.

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