29 de dezembro de 2011

O trabalho ( por Fátima Rolo Duarte ) leitura obrigatória

Em causa estão as regras rígidas de convocação de pessoal, com determinados requisitos e conhecimentos para tarefas fora da escala normal de trabalho e ter de seguir a escala dos trabalhadores da Classe A, da Classe B e da Classe C, que obrigam os operadores a pagar por disponibilidade a esses trabalhadores, mesmo que não executem qualquer tarefa. Sérgio Monteiro considera que essas regras rígidas levam a atividade portuária a ter um «défice de competitividade importante». O secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações salienta que o caso português não é único: «Os sindicatos afetos ao trabalho portuário português têm congéneres europeus muito fortes. Há alguma tensão no setor por haver uma obrigação de alteração do trabalho portuário e da sua regulamentação de maneira a liberalizá-lo e a retirar algum do custo para a competitividade dos nossos portos». O modelo implementado no Terminal XXI do porto de Sines poderá ser «um caso de estudo», admitiu Sérgio Monteiro.

Eis um motivo para escrever sobre o Trabalho, não como ocupação desvalorizada por salários baixos e direitos que voam para o espaço, tratados a pontapé, porque disto mesmo se trata e quem ainda não percebeu este facto, não percebeu que se hoje são estes, amanhã? És tu. A luta vai ter que endurecer e ganhar contornos espertos, porque as arestas finas, lâminhas a cortar, a doer já aqui estão desenhadas a régua e esquadro.
Estes 13 pontos são dedicados a todos os que se interessam pela vida vivida, no duro, e não apenas esta quase doce, dolente ou grácil existência dentro do computador, livro, papel de jornal ou plasma de televisor; tudo coisa limpa, com retórica, sem novidade. Para me servir de um comentário a um comentário meu, o pão quente, a água fria, a vida ainda não é 2.0

1. Em Portugal existem dois grandes tipos de portos que se dividem entre os que cumprem a legislação em vigor e os que passam, ligeiros, por entre os pingos da chuva e ignoram o que é de lei. Ponto  
2. Neste peculiar segundo grupo, incluo sem querer errar, o porto de Leixões e o Terminal XXI em Sines onde a mão de obra não especializada nas tarefas portuárias é usada e, ouso, abusada

3. A legislação do trabalho portuário data de 1993, ironia das ironias e a este título mais não acrescento, pois vai mais um ponto?
4. E o que nos conta a letra da exótica lei? Manda clara e inequivocamente que nas tarefas portuárias apenas possam trabalhar trabalhadores portuários.  E entra a palavra de que gosto: estivadores cuja vida de trabalho tem uma história que nos merece mais respeito e siga para o ponto
5. Feitas estas contas que ainda a procissão vai no adro, quem é que afinal tem razões de sobra para criticar o pacote legislativo publicado na sequência do Pacto sectorial entre todos os parceiros sociais, exemplo único nas últimas décadas? Resposta:
6. Os estivadores que, passados 18 anos, aguardam que se complete o pacote legislativo acordado através da publicação da regulamentação das carteiras profissionais dos estivadores. Assunto de somenos para nós que estamos aqui sentados nas nossas confortáveis casas com vista para onde a vista der. Certo? Errado
7. O Contrato Colectivo de Trabalho – acordado e assinado em 1993 – entre Sindicatos e Patrões do sector portuário de Lisboa (para ser precisa), define a existência de 3 tipos de trabalhadores portuários. A saber: A, efectivos em topo de carreira; B, efectivos que podem alcançar o topo da carreira ao fim de 17 anos de “progressão” e C, temporários que apenas podem desempenhar tarefas não especializadas e cujo vencimento, quando trabalham, é menos de metade dos trabalhadores A
8. Este CCT define ainda a ordem de colocação em trabalho suplementar. A depois de B e no caso dos efectivos não serem suficientes, C
9. Os Protocolos de Acordo assinados livremente entre os parceiros sociais do sector, nomeadamente o de 1995, onde se estipula um rácio máximo entre o número de trabalhadores temporários/eventuais/precários (C) e o conjunto de trabalhadores efectivos/permanentes (A + B). Ou seja, um máximo de 20% na relação entre temporários e permanentes, que poderia passar a 25% no período de férias.
10. Vários foram os processos de reestruturação da mão-de-obra que conduziram ao afastamento de milhares de trabalhadores da actividade portuária.
11.  O próprio Pacto sectorial referia que as futuras admissões deveriam ter em conta este aspecto e não criar expectativas excessivas de emprego. Os referidos protocolos resultaram, pois, da necessidade de introduzir mecanismos acordados entre os parceiros sociais, Sindicatos e Patrões, para, por acordo, se reajustarem as necessidades de mão-de-obra portuária para o conjunto do trabalho no porto.
12. Confusos? Isto tem uma ordem e a ordem é esta. Continua por aqui? Sim.
13. São estas e apenas estas as “regras rígidas” a que se referem os actuais governantes de sobrolho franzido. Acordos livremente negociados entre parceiros sociais do sector. Nada que tenha sido imposto à lei da bala, arma apontada ou mera excentricidade de esquerda. Qual esquerda? Onde está a esquerda? O que sorrio ao ler “regra rígida”, esse mal, grande mal, como se fosse de esperar que a regra não fosse rigorosa. Como se o que se quer ilegal e arbitrário devesse passar por coisa justa, tendo em conta os dias que correm, da forma como correm, a famosa e conveniente austeridade. Como se a rigidez invocada, por quem agora chegou ao poder, pudesse ignorar a abertura do Sindicato dos Estivadores ao trabalho temporário (nos idos de 1995) quando a precariedade ainda não era moda.

O que é que nesta história de Trabalho não se percebe? Que esta precariedade, limitada a cerca de 25% dos estivadores permanentes, tem um impacto significativo no decréscimo do peso do trabalho na factura portuária global. Não estou, ainda, a escrever em chinês e por este motivo acrescento que nos portos não há trabalhadores convocados, mas sim colocados. Não existem serviços de convocação, mas de colocação. Os estivadores são colocados em determinado navio, ou serviço portuário que decorra dentro dos 40 quilómetros da área de jurisdição do porto de Lisboa (é agora este o exemplo), no caso dos trabalhadores da empresa de trabalho portuário (pool), ou nas centenas de metros concessionados à empresa de estiva, no que se refere aos trabalhadores permanentes.

É com muita apreensão que se percebe, nos detalhes, o dedo do diabo, cena funesta. A utilização incorrecta do termo convocação em detrimento de colocação faz emergir o cheiro das antigas casas de conto onde uma multidão de homens de braço no ar, precários, aguardava a escolha do capataz para ganhar o dia. E desses, felizes eram os convocados, os únicos com direito a salário diário. A casa de conto de hoje, presente mais que envenenado, passou desse espaço para o telemóvel e o que se ganha em tempo, perde-se em contacto físico, tangível. A troca de olhares, galhofa e informação que sempre foi decisiva na hora em que o trabalhador tem que se mostrar forte, unido, solidário, fraterno. Parece-vos mal, palavra a palavra desactualizada? Parece-vos conversa de passar o tempo? Não é. O universo da estiva é que, de uma forma geral, global, se constitui num exemplo, um caso estudo. Quanto mais silenciado menos "contagioso" se torna. É isto? Sim. Quantos e onde são/estão os trabalhadores sindicalizados a 100% com tudo o que isto implica? Incluindo discordâncias, dissonâncias, mas, acima disto que é vivo e faz parte, o outro lado: o da consciência de classe que equilibra, como sempre equilibrou, o Trabalho. E se disser a vida, não exagero.

Curiosamente, ou nem por isso, toda esta luta, toda esta vida anda arredada dos jornais e televisões e dos blogs e dos twitters e dos Facebooks que por sua vez andam, os que andam, do lado de fora da vida, desta, das cidades portuguesas servidas por portos, porque este é o caso, porque é este o exemplo. E por conta do que pode a comunicação social, quantos não alinharam no discurso de Sousa Tavares contra os contentores em Lisboa? E quem foram os que perceberam, ou conseguiram pensar além do umbigo, no impacto que semelhante desejo de uma cidade limpa do que é a vida, bruta, talvez feia (não o entendo assim), mas vida a sério com conflito, como é a vida tão imperfeita como todos somos imperfeitos, dizia, o embate que semelhante ideia higiénica poderia ter nas pessoas do Trabalho, deste trabalho de força física, que não é ou será 2.0; Trabalho que anima a cidade e a ergue, corpo imperfeito. Uma cidade não é um jardim à beira rio plantado. Atapetado, perfumado. A riqueza de Lisboa, pois a ela volto, é a minha terra, inclui de tudo e muito mas sobretudo o rio que não serve apenas para ver passar, mas sobretudo para ser útil a todos os que dele dependem. E são muitos. E mesmo que fossem poucos. É esta a Ode Triunfal "Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!/Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me./Engatam-me em todos os comboios./Içam-me em todos os cais./Giro dentro das hélices de todos os navios./Eia! eia-hô! eia!/Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!", escrevia o senhor e sobre o Trabalho, não foi apenas estilo, aquilo nasceu-lhe de onde? Do que viu no Trabalho, sujo, das pessoas sujas, "Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente./A luz do sol abafa o silêncio das esferas." Uma terra sem trabalho respeitado não é uma terra, mas apenas morte. Lenta. E foi sobre isto que escrevi.  

Em cima, vimeo stop motion realizado a partir de imagens recolhidas no Porto de Antuérpia, Bélgica. Com um especial e sentido agradecimento ao Sindicato dos Estivadores cuja designação é mais precisa e longa, mas é assim que, incorrecta, gosto de dizer. A minha primeira casa para este caso sempre foi e será esta que leva o meu apelido: Rolo Duarte, Fátima em f,world. Aqui, jugular, casa de contos, é onde me sinto, igualmente bem, porque tenho a facilidade de me sentir agradecida, e bem, ora bem. 
Fonte: jugular

1 comentário:

Jorge Aires disse...

Leitura aconselhar
http://blasfemias.net/2011/12/29/a-estiva/