Em
causa estão as regras rígidas de convocação de pessoal, com
determinados requisitos e conhecimentos para tarefas fora da escala
normal de trabalho e ter de seguir a escala dos trabalhadores da Classe
A, da Classe B e da Classe C, que obrigam os operadores a pagar por
disponibilidade a esses trabalhadores, mesmo que não executem qualquer
tarefa. Sérgio Monteiro considera que essas regras rígidas levam
a atividade portuária a ter um «défice de competitividade importante». O secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações salienta que o caso português não é único: «Os
sindicatos afetos ao trabalho portuário português têm congéneres
europeus muito fortes. Há alguma tensão no setor por haver uma obrigação
de alteração do trabalho portuário e da sua regulamentação de maneira a
liberalizá-lo e a retirar algum do custo para a competitividade dos
nossos portos». O modelo implementado no Terminal XXI do porto de Sines poderá ser «um caso de estudo», admitiu Sérgio Monteiro.
Eis um motivo para escrever sobre o
Trabalho, não como ocupação desvalorizada por salários baixos e direitos
que voam para o espaço, tratados a pontapé, porque disto mesmo se trata
e quem ainda não percebeu este facto, não percebeu que se hoje são
estes, amanhã? És tu. A luta vai ter que endurecer e ganhar contornos
espertos, porque as arestas finas, lâminhas a cortar, a doer já aqui
estão desenhadas a régua e esquadro.
Estes 13 pontos são
dedicados a todos os que se interessam pela vida vivida, no duro, e não
apenas esta quase doce, dolente ou grácil existência dentro do
computador, livro, papel de jornal ou plasma de televisor; tudo coisa
limpa, com retórica, sem novidade. Para me servir de um comentário a um
comentário meu, o pão quente, a água fria, a vida ainda não é 2.0
1. Em Portugal existem
dois grandes tipos de portos que se dividem entre os que cumprem a
legislação em vigor e os que passam, ligeiros, por entre os pingos da
chuva e ignoram o que é de lei. Ponto
2. Neste peculiar segundo
grupo, incluo sem querer errar, o porto de Leixões e o Terminal XXI em
Sines onde a mão de obra não especializada nas tarefas portuárias é
usada e, ouso, abusada
3. A legislação do
trabalho portuário data de 1993, ironia das ironias e a este título mais
não acrescento, pois vai mais um ponto?
4. E o que nos conta a
letra da exótica lei? Manda clara e inequivocamente que nas tarefas
portuárias apenas possam trabalhar trabalhadores portuários. E entra a
palavra de que gosto: estivadores cuja vida de trabalho tem uma história
que nos merece mais respeito e siga para o ponto
5. Feitas estas contas que
ainda a procissão vai no adro, quem é que afinal tem razões de
sobra para criticar o pacote legislativo publicado na sequência do Pacto
sectorial entre todos os parceiros sociais, exemplo único nas últimas
décadas? Resposta:
6. Os estivadores que,
passados 18 anos, aguardam que se complete o pacote legislativo acordado
através da publicação da regulamentação das carteiras profissionais dos
estivadores. Assunto de somenos para nós que estamos aqui sentados nas
nossas confortáveis casas com vista para onde a vista der. Certo? Errado
7. O Contrato Colectivo de
Trabalho – acordado e assinado em 1993 – entre Sindicatos e Patrões do
sector portuário de Lisboa (para ser precisa), define a existência de 3
tipos de trabalhadores portuários. A saber: A, efectivos em topo de carreira; B, efectivos que podem alcançar o topo da carreira ao fim de 17 anos de “progressão” e C,
temporários que apenas podem desempenhar tarefas não especializadas e
cujo vencimento, quando trabalham, é menos de metade dos trabalhadores A
8. Este CCT define ainda a ordem de colocação em trabalho suplementar. A depois de B e no caso dos efectivos não serem suficientes, C
9. Os Protocolos de Acordo
assinados livremente entre os parceiros sociais do sector, nomeadamente
o de 1995, onde se estipula um rácio máximo entre o número de
trabalhadores temporários/eventuais/precários (C) e o conjunto de trabalhadores efectivos/permanentes (A + B). Ou seja, um máximo de 20% na relação entre temporários e permanentes, que poderia passar a 25% no período de férias.
10. Vários foram os
processos de reestruturação da mão-de-obra que conduziram ao afastamento
de milhares de trabalhadores da actividade portuária.
11. O próprio Pacto
sectorial referia que as futuras admissões deveriam ter em conta este
aspecto e não criar expectativas excessivas de emprego. Os referidos
protocolos resultaram, pois, da necessidade de introduzir mecanismos
acordados entre os parceiros sociais, Sindicatos e Patrões, para, por
acordo, se reajustarem as necessidades de mão-de-obra portuária para o
conjunto do trabalho no porto.
12. Confusos? Isto tem uma ordem e a ordem é esta. Continua por aqui? Sim.
13. São estas e apenas
estas as “regras rígidas” a que se referem os actuais governantes de
sobrolho franzido. Acordos livremente negociados entre parceiros sociais
do sector. Nada que tenha sido imposto à lei da bala, arma apontada ou
mera excentricidade de esquerda. Qual esquerda? Onde está a
esquerda? O que sorrio ao ler “regra rígida”, esse mal, grande mal, como
se fosse de esperar que a regra não fosse rigorosa. Como se o que se
quer ilegal e arbitrário devesse passar por coisa justa, tendo em conta
os dias que correm, da forma como correm, a famosa e conveniente
austeridade. Como se a rigidez invocada, por quem agora chegou ao poder,
pudesse ignorar a abertura do Sindicato dos Estivadores ao trabalho
temporário (nos idos de 1995) quando a precariedade ainda não era moda.
O que é que nesta história de Trabalho não
se percebe? Que esta precariedade, limitada a cerca de 25% dos
estivadores permanentes, tem um impacto significativo no decréscimo do
peso do trabalho na factura portuária global. Não estou, ainda, a
escrever em chinês e por este motivo acrescento que nos portos não há
trabalhadores convocados, mas sim colocados. Não existem serviços de convocação, mas de colocação.
Os estivadores são colocados em determinado navio, ou serviço portuário
que decorra dentro dos 40 quilómetros da área de jurisdição do porto de
Lisboa (é agora este o exemplo), no caso dos trabalhadores da empresa
de trabalho portuário (pool), ou nas centenas de metros concessionados à
empresa de estiva, no que se refere aos trabalhadores permanentes.
É com muita apreensão que se percebe, nos detalhes, o dedo do diabo, cena funesta. A utilização incorrecta do termo convocação em detrimento de colocação
faz emergir o cheiro das antigas casas de conto onde uma multidão de
homens de braço no ar, precários, aguardava a escolha do capataz para
ganhar o dia. E desses, felizes eram os convocados, os únicos com
direito a salário diário. A casa de conto de hoje, presente mais que
envenenado, passou desse espaço para o telemóvel e o que se ganha em
tempo, perde-se em contacto físico, tangível. A troca de olhares,
galhofa e informação que sempre foi decisiva na hora em que o
trabalhador tem que se mostrar forte, unido, solidário, fraterno.
Parece-vos mal, palavra a palavra desactualizada? Parece-vos conversa de
passar o tempo? Não é. O universo da estiva é que, de uma forma geral,
global, se constitui num exemplo, um caso estudo. Quanto mais silenciado
menos "contagioso" se torna. É isto? Sim. Quantos e onde são/estão os
trabalhadores sindicalizados a 100% com tudo o que isto implica?
Incluindo discordâncias, dissonâncias, mas, acima disto que é vivo e faz
parte, o outro lado: o da consciência de classe que equilibra, como
sempre equilibrou, o Trabalho. E se disser a vida, não exagero.
Curiosamente, ou nem por isso, toda esta
luta, toda esta vida anda arredada dos jornais e televisões e dos blogs e
dos twitters e dos Facebooks que por sua vez andam, os que andam, do
lado de fora da vida, desta, das cidades portuguesas servidas por
portos, porque este é o caso, porque é este o exemplo. E por conta do
que pode a comunicação social, quantos não alinharam no discurso de
Sousa Tavares contra os contentores em Lisboa? E quem foram os que
perceberam, ou conseguiram pensar além do umbigo, no impacto que
semelhante desejo de uma cidade limpa do que é a vida, bruta, talvez
feia (não o entendo assim), mas vida a sério com conflito, como é a vida
tão imperfeita como todos somos imperfeitos, dizia, o embate que
semelhante ideia higiénica poderia ter nas pessoas do Trabalho, deste
trabalho de força física, que não é ou será 2.0; Trabalho que anima a
cidade e a ergue, corpo imperfeito. Uma cidade não é um jardim à beira
rio plantado. Atapetado, perfumado. A riqueza de Lisboa, pois a ela
volto, é a minha terra, inclui de tudo e muito mas sobretudo o rio que
não serve apenas para ver passar, mas sobretudo para ser útil a todos os
que dele dependem. E são muitos. E mesmo que fossem poucos. É esta a
Ode Triunfal "Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!/Nem sei que existo para dentro.
Giro, rodeio, engenho-me./Engatam-me em todos os comboios./Içam-me em
todos os cais./Giro dentro das hélices de todos os navios./Eia! eia-hô!
eia!/Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!", escrevia o senhor e
sobre o Trabalho, não foi apenas estilo, aquilo nasceu-lhe de onde? Do
que viu no Trabalho, sujo, das pessoas sujas, "Limpa o suor com o braço,
trabalhador descontente./A luz do sol abafa o silêncio das esferas."
Uma terra sem trabalho respeitado não é uma terra, mas apenas morte.
Lenta. E foi sobre isto que escrevi.
Em cima, vimeo stop motion realizado a
partir de imagens recolhidas no Porto de Antuérpia, Bélgica. Com um
especial e sentido agradecimento ao Sindicato dos Estivadores cuja
designação é mais precisa e longa, mas é assim que, incorrecta, gosto de
dizer. A minha primeira casa para este caso sempre foi e será esta que
leva o meu apelido: Rolo Duarte, Fátima em f,world.
Aqui, jugular, casa de contos, é onde me sinto, igualmente bem, porque
tenho a facilidade de me sentir agradecida, e bem, ora bem.
Fonte: jugular
1 comentário:
Leitura aconselhar
http://blasfemias.net/2011/12/29/a-estiva/
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