Para quem já estava farto de tentar impor o respeito aos seus filhos e concluído que nem o Homem do Saco nem o Bicho Papão resultavam, surge agora uma nova esperança com o novo, o horrífico, o mauzão… o Estivador.
Como tenho vindo a constatar que, no caso da greve dos estivadores,
os pesos nos pratos da balança entre apoiantes e detractores estão muito
desequilibrados, venho aqui deixar os meus 64 kg no prato dos
apoiantes. A ver se a coisa fica um nadinha mais equilibrada.
Ao longo das últimas semanas, todos vimos nascer uma nova categoria
de monstro. Para quem já estava farto de tentar impor o respeito aos
seus filhos e concluído que nem o Homem do Saco nem o Bicho Papão
resultavam, surge agora uma nova esperança com o novo, o horrífico, o
mauzão… o Estivador.
Honra seja feita ao Governo que conseguiu criar esta nova personagem
junto da opinião pública. Bastou lançar uns rumores acerca dos
vencimentos e das regalias dos estivadores e, em menos de nada,
conseguiu o feito de pôr pessoas, a quem fez tremendos cortes nos
rendimentos, a revoltarem-se contra a única classe de trabalhadores que,
até hoje, fez alguma frente de verdade ao próprio Governo. Tem havido
outras greves e manifestações mas nada que faça o Governo recuar, com
excepção da TSU. Quer dizer, quando há manifestações à porta da
Assembleia em dia de votação de uma determinada lei, o Governo recua ou
avança, mas apenas na hora da votação para não coincidir com a chegada
dos manifestantes. Mas isso devem ser coincidências.
Todos querem alguém que faça frente ao Governo, mas quando aparece
quem o faz, primeiro é preciso ver a sua folha salarial. É sabido que,
neste país, só se pode queixar quem ganhar menos que o salário mínimo.
Até parece que os estivadores não sofreram já com os mesmos cortes e
aumento de impostos. E ao fazerem greve, mesmo que apenas às horas
extraordinárias, fazem-no às suas custas, em protesto contra a
precariedade em que a sua profissão corre o risco de ficar.
É isso e o facto de se ter descoberto que para entrar na estiva é
mais fácil sendo familiar ou amigo de alguém que já lá esteja. Ui ui.
Uma tremenda imoralidade. Aliás, este é um dos factores que mais revolta
tem levantado nas pessoas e nos políticos. E com toda a razão. Sim,
porque uma coisa é a Ministra do Ambiente contratar a irmã da Ministra
da Justiça, obviamente pelo extraordinário currículo, outra coisa é os
estivadores fazerem isso (até porque duvido muito que a irmã da Ministra
perceba alguma coisa de como carregar um navio).
Claro que nem toda a gente tem a sorte de trabalhar em sectores
supostamente tão pequenos, unidos e poderosos como a estiva ou os
partidos políticos, mas a ideia que dá é que as pessoas que criticam a
greve dos estivadores são aquelas que, há muito, abdicaram do seu
direito de reivindicar contra as dificuldades que lhes são impostas e
procuram consolo na miséria alheia. É mais fácil suportar as
dificuldades sabendo que não se está sozinho.
Apesar de todo o poder que lhes é atribuído, foram precisos três
meses de greve dos estivadores para que o Governo aceitasse apresentar
uma proposta alternativa à primeira lei. Três meses. Cá para mim,
fizeram essa proposta nos dois dias antes de a apresentarem porque o
resto do tempo devem ter estado escondidos atrás dos contentores a ver
se os malandros desistiam da greve. Mas não desistiram. E com isso
conseguiram que o Governo fizesse algumas cedências a uma lei imposta
pela tia Merkel, com o objectivo de perceber se por cá a coisa corre bem
para depois se implementar igual no resto da Europa. É como os
medicamentos novos. Primeiro testam-se no terceiro mundo e só depois se
usam no primeiro. Tal e qual.
De qualquer das formas, alguns sindicatos já suspenderam a greve e já
são poucos os que ainda a mantêm. Por isso, estou optimista – mais três
mesitos, dois ou três telefonemas do Passos à Merkel a ver se pode
ceder aqui e ali, e a coisa está resolvida.
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