3 de setembro de 2012

A fiabilidade dos portos ( opinião )

O Governo está a ultimar o diploma que revê o regime jurídico do trabalho portuário. Este facto decorre das obrigações assumidas por Portugal no âmbito do memorando de entendimento subscrito com a troika. E em boa hora o fez, pois a alteração desse regime, que tem cerca de 20 anos, era um imperativo nacional. Será determinante para melhorar a competitividade dos nossos portos e, subsequentemente, contribuirá para o relançamento das exportações e para a tão desejada abertura da economia. De facto, a redução do âmbito do trabalho portuário permitirá utilizar, em tarefas até aqui desempenhadas por trabalhadores portuários (vulgo estivadores) outros trabalhadores mais jovens, com outro perfil de habilitações literárias, com salários menos elevados e, fundamentalmente, com outros ritmos de produtividade. Não se trata de cercear aos estivadores as tarefas que são da exclusividade da estiva. O que sucede é que há outras atividades, que não dizem respeito à carga e descarga dos navios e que, erradamente, estão incluídas no âmbito do trabalho portuário.
Na proposta de lei a que tivemos acesso, constata-se que o objetivo não é só o ajustamento do referido âmbito da "estiva". Pretende-se criar condições para, sem grandes convulsões, adotar os atuais Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho às exigências decorrentes do código do trabalho, de forma faseada mas com metas bem definidas. Concomitantemente, incentiva os parceiros sociais a reverem os contratos coletivos de trabalho, flexibilizando as relações laborais e possibilitando uma gestão mais eficiente.

Constata-se, ainda, que o documento está longe de integrar todas as preocupações dos carregadores, que sempre pugnaram pela liberalização total do setor portuário. Mas, se é evidente que algo tinha que ser feito, e se tal pode ser concretizado com o mínimo de convulsões sociais, só resta esperar que os clientes dos portos entendam que o ótimo é inimigo do bom. O país não suporta a paralisação total destas infraestruturas, que seria o cenário que teríamos caso a proposta do Governo não tivesse sido negociada até ao limite do possível.
Constata-se, por fim, que estas medidas, que o Governo pretende implementar, coincidem com tudo aquilo que já hoje sucede no porto de Leixões, e que resultou de acordos entre as entidades patronais e os sindicatos. É essa a razão pela qual os trabalhadores do porto de Leixões não participaram na paralisação que afetou os outros portos nacionais. Também nesse aspeto, o porto de Leixões tem sido diferente, e tem sido capaz de resolver os naturais diferendos entre patrões e trabalhadores através da negociação. Infelizmente, esse diálogo não tem existido nos outros portos. As entidades patronais têm recusado a negociação, esperando que os problemas sejam resolvidos pela força da lei; as organizações sindicais, pelo seu lado, têm-se entrincheirado nos seus direitos adquiridos. E, desta forma, não é fácil encontrar uma solução.
Para atingir as suas metas, Portugal precisa de aumentar as suas exportações a um ritmo de 5% ao ano. Tal desiderato, muito difícil de atingir, depende, em larga medida, da eficiência dos seus portos, uma vez que essa meta não é alcançável através das exportações para os mercados europeus, que ainda dependem, em larga medida, da rodovia. O sucesso dos portos já não depende apenas da sua competitividade aparente, das suas infraestruturas ou dos seus preços. No passado, eram os carregadores e os importadores quem, em função desses critérios, decidia o porto de saída e de entrada das mercadorias. Agora, são os grandes operadores marítimos quem decide as rotas e os destinos, e escolhe os portos de escala dos seus navios. Naturalmente, a competitividade continua a ser importante, mas a produtividade e a fiabilidade passaram a ser fatores pelo menos tão relevantes. Ora, a instabilidade nas relações laborais é um imponderável que desvaloriza os portos, e que afasta os seus clientes. E essa, como se sabe, não pode ser imposta por lei. Depende da capacidade de patrões e de trabalhadores para encontrarem equilíbrios e construírem consensos.
jn 

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