Após uma visita ao Panamá quase quatro décadas atrás, o romancista
Graham Greene viu o canal tornando-se "cada vez menos" importante a cada
ano, com "a passagem de menor tonelagem, menores receitas, um canal
raso demais e comportas estreitas demais para os grandes petroleiros".
Esse
temor de irrelevância apenas se intensificou à medida que os navios em
todo o mundo ficaram grandes demais para atravessar o canal. Atualmente,
cerca de 50% dos navios porta-contêineres em operação ou encomendados
no mundo são grandes demais para atravessar suas comportas. Os navios
panamax, historicamente projetados para cruzar o canal, são hoje quase
apenas lambaris.
Como se isso já não fosse suficientemente
problemático, o derretimento do gelo do Ártico poderá também abrir uma
rota concorrente de acesso ao norte.
Interessados em defender seu status como uma das grandes vias do comércio mundial, os panamenhos decidiram ampliar o canal em um referendo nacional realizado quase sete anos atrás. Esse projeto, envolvendo investimentos de US$ 5,25 bilhões, está atrasado quase seis meses em relação ao cronograma original, mas quando a obra for terminada, em meados de 2015, o canal ampliado deverá transformar algumas das rotas comerciais mais importantes entre o Atlântico e o Pacífico. Empresas de logística, como ferrovias, tentam avaliar se a expansão irá, em última instância, aumentar substancialmente os embarques diretos para o leste dos EUA.
Na semana retrasada, celebrando a chegada das novas e gigantescas comportas para o canal, o presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, previu que as obras de ampliação "vão transformar o setor marítimo mundial". "Nós, panamenhos, estamos estabelecendo um marco histórico", disse Martinelli antes do desembarque das comportas de 3,1 mil toneladas.
O canal - mais profundo e mais largo - permitirá a passagem de navios enormes, com até três vezes a capacidade dos maiores que atualmente usam a rota. As autoridades panamenhas preveem que o canal, que comemorará seu centenário no próximo ano, aumentará a tonelagem anual que dá vazão para mais de 600 milhões de toneladas em 2025, das 333,7 milhões de toneladas no ano passado.
Mas, embora o Panamá esteja fazendo suas projeções otimistas, a infraestrutura regional ainda não está pronta para os navios de maior porte. Muitos portos americanos são incapazes de acomodar navios maiores que atravessam o canal do Panamá. Vários portos tropicais também estão competindo entre si para se tornar centros de irradiação logística de águas profundas nas próximas décadas, mas observadores dizem que os processos de expansão portuária estão em dificuldade para acompanhar o ritmo das mudanças potenciais nos padrões marítimos.
Projeto envolve investimento de US$ 5,25 bilhões, está atrasado seis meses e deve terminar em 2015
No Panamá, 60% da expansão está concluída. A dragagem dos canais ao longo do trecho mais estreito, a Culebra Cut, está terminada. Num fosso colossal, 8.000 trabalhadores usando capacetes amarelos e coletes fluorescentes estão construindo compartimentos para os conjuntos de eclusas.
Numa tendência algo cruel para o Panamá, as dimensões dos navios estão mais uma vez ultrapassando as dimensões acomodadas pelo canal enquanto o próprio trabalho avança. A Maersk Line, operadora da maior frota de contêineres do mundo, tem 20 novos navios encomendados que são tão enormes que não conseguirão cruzar nem a hidrovia alargada.
Originalmente, previa-se que o programa de expansão tornaria basicamente mais fácil enviar bens manufaturados da Ásia para a costa leste dos EUA. Mas o tráfego de navios no sentido contrário tornou-se muito mais significativo que imaginado sete anos atrás. "Para o futuro, prevemos um crescimento do comércio entre a Ásia e a América Latina", diz Jorge Luis Quijano, administrador do canal do Panamá, "à medida que o leste asiático busca cada vez mais matérias-primas na América Latina".
Apesar de uma desaceleração no "superciclo de commodities", muitas empresas continuam demandando custos menores de transporte para enviar mercadorias como minério de ferro, carvão, soja e gás natural para a Ásia. Além disso, o fluxo de produtos asiáticos embarcados em contêineres para a América Latina continua forte, graças a um robusto crescimento dos salários e do crédito doméstico, que vem alimentando um boom de consumo na região.
Apesar disso, o Panamá não será capaz de explorar sem concorrentes essas mudanças nos fluxos comerciais. A Assembleia Nacional da Nicarágua, dominada pela esquerdista frente sandinista, deu sinal verde a uma proposta de investir US$ 40 bilhões para que a HKND, uma empresa chinesa pouco conhecida, abra um concorrente ao canal do Panamá. Muitos já duvidam da viabilidade econômica de um projeto com percurso três vezes mais longo do que os 80 km da hidrovia panamenha.
Sem querer ficar para trás, Guatemala e Honduras já anunciaram projetos de "pontes terrestres" entre o Atlântico e o Pacífico. Há também especulação no México sobre um investimento chinês numa conexão pelo istmo de Tehuantepec.
Empresas de transporte de contêineres, como a Maersk, com cerca de 15% de participação de mercado na América Latina, vêm tais projetos com mente aberta. "Para mim, qualquer investimento em infraestrutura que facilite o comércio entre os clientes é bem-vindo", diz Robbert van Trooijen, executivo-chefe da Maersk Line para a América Latina e Caribe.
Desde que o Panamá assumiu o controle do canal, em 1999, cerca de 5% do comércio mundial passam por suas comportas. O canal acumulou US$ 1,6 bilhão em lucros antes dos impostos no ano passado sobre um faturamento de US$ 2,4 bilhões e responde por 10% da produção econômica do país.
Os panamenhos estão confiantes que os concorrentes regionais não absorverão muito de seus lucros. "Não consideramos que haverá nenhum tipo de concorrência", disse Fernando Núñez Fábrega, ministro das Relações Exteriores do Panamá, ao "Financial Times" no mês passado, quando indagado sobre o concorrente nicaraguense. Para ele, se todos que desejam construir um canal fizerem isso, "a América Central acabaria ficando como um queijo suíço".
A expansão do canal deverá impactar a maneira como as linhas de transportes operam por razões muito além do tamanho dos navios que podem usar. Uma vez que navios maiores levam mais tempo para serem carregados e descarregados, as transportadoras de contêineres poderão enviar os novos e maiores navios para um menor número de portos nos EUA ou na América do Sul depois que saem do canal. Isso criará maior demanda nas duas extremidades do canal por novos serviços "alimentadores" transportando contêineres entre portos menores e maiores "centros de irradiação logística", onde os maiores navios aportam.
Provavelmente haverá intensa competição entre os candidatos a tornarem-se centros de irradiação logística. Neil Davidson, um analista de portos na Drewry Shipping Consultants, salienta que, no lado do Caribe, os portos de Caucedo, na República Dominicana, e Freeport, nas Bahamas, já têm profundidade suficiente. Obras de dragagem também estão em andamento em Kingston, Jamaica, embora tenha havido longas conversações sobre um centro de irradiação logístico potencial em Cuba. No lado do Pacífico, os portos mexicanos de Lázaro Cárdenas e de Manzanillo provavelmente demandarão algum trabalho de transbordo.
Mas Alberto Alemán, que deixou o cargo de administrador do canal do Panamá em dezembro de 2012, após 16 anos no comando, espera que grande parte das novas demandas busque portos do próprio Panamá, em ambas as costas. O Panamá oferece vantagens logísticas. Possui não só um aeroporto que opera como um centro de irradiação regional, como também conta com uma grande zona de livre comércio, como Cingapura e Hong Kong. O país é ainda a economia em mais rápido crescimento na América Latina, com taxas de expansão anual de cerca de 10%.
A alta qualidade dos portos panamenhos diferencia o país de muitos outros na América Latina. A maioria dos portos na região que atendem a demanda do canal e pelo fato de haver canais de ao menos 15 metros estão no Brasil e embora, por exemplo, Cartagena na Colômbia tenha acelerado seus trabalhos, ainda há um longo caminho a percorrer. "Temos de nos adaptar, e rapidamente, para reduzir o grande déficit de infraestrutura na região", diz Esteban Diez-Roux, especialista em transporte principal no Banco Interamericano de Desenvolvimento ou BID. "Os custos logísticos na América Latina são cerca de 50% maiores do que no restante do mundo".
De acordo com um estudo do BID, a região precisa acelerar a modernização de portos, estradas e outros elementos básicos de infraestrutura", do contrário não será capaz de tirar proveito dos baixos custos que serão gerados pelo crescimento do tráfego transoceânico de navios de grande porte". Afinal de contas, para descarregar todo o conteúdo de um navio de 10 mil contêineres são necessários 18 trens ou 5,8 mil caminhões ou 570 jatos Boeing 747 jumbo.
Não é apenas a infraestrutura latino-americana que enfrenta desafios para dar conta das demandas criadas por navios maiores. Apesar de US$ 46 bilhões terem sido gastos em guindastes maiores nos EUA, em canais mais profundos e em linhas ferroviárias de maior capacidade para atender o novo tráfego do Canal do Panamá, alguns portos na costa leste dos EUA ainda não estão prontos. Segundo Davidson, o porto de Norfolk, Virginia, parece melhor posicionado para capitalizar o cenário, por ser de águas naturalmente profundas e possuir ligações ferroviárias recém-modernizadas. O Porto de Baltimore, que sofre pela desvantagem de estar localizado perto do topo da baía de Chesapeake, bem distante das principais rotas de transportes, também pode acomodar os novos navios maiores.
Carga transportada deve passar para mais de 600 milhões de toneladas em 2025, de 333,7 milhões em 2012
Mas a maioria dos terminais no Porto de New York/New Jersey, de longe o mais movimentado porto de contêineres na costa leste dos EUA, enfrenta problemas significativos porque a ponte de Bayonne sobre a entrada para área principal do porto precisa ser erguida para dar passagem aos navios mais altos. O projeto de US$ 1 bilhão para elevar a pista da ponte não será concluído antes de 2016. Ambientalistas também entraram com ações legais protestando contra os planos de aprofundamento do canal ao longo do rio que leva ao porto de Savannah, Geórgia, atualmente o quarto mais movimentado porto de contêineres nos EUA.
Enquanto isso, um número crescente de companhias de transporte marítimo estão criando serviços da Ásia para a costa leste dos EUA através do Canal de Suez, que já podem dar conta de navios porta-contêineres muito maiores. A distância do porto de Yantian, na China, onde muitos produtos são enviados para Newark, é em média 4% maior pelo Canal de Suez do que pelo Canal do Panamá.
Apesar disso, em abril passado a Maersk reduziu sua freqüência de transporte de mercadorias da Ásia através do Canal do Panamá para a costa leste dos EUA em mais de 14% ao transferir seu tráfego para a travessia do Canal de Suez, onde pode alocar navios de maior porte e reduzir seu custo unitário. Mas a política de preços do Panamá também desempenhou o seu papel.
Nos últimos anos, o pedágio via Panamá quase triplicou e poderá chegar a US$ 450 mil por trecho, dependendo da carga, mas estima-se que os novos navios de contêineres maiores pagarão entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão por travessia. "O pedágio será menor por unidade de carga. A vantagem será para os navios maiores", explica Rodolfo Sabonge, diretor de planejamento na Autoridade do Canal do Panamá, que opera o canal. "Atualmente, o número é baseado na capacidade dos navios, mas estamos tentando migrar para um sistema vinculado ao que a embarcação estiver transportando".
Para o Alemán, o ex-administrador do canal, as vantagens da hidrovia vão muito além das tarifas de pedágio: "Esse é o único porto do mundo com terminais nos dois oceanos, e esse é um conceito muito forte".
Por trás das torres de concreto em construção, um navio da Wallenius Wilhelmsen, uma joint venture escandinava que opera a maior frota transportadora de carros no mundo, está se preparando para cruzar as eclusas do Pacífico ao Atlântico. "Ainda não há outro lugar no mundo onde podemos estar em outro oceano apenas numa questão de horas", diz Alemán. (Tradução de Sergio Blum)
Fonte: Valor Econômico/Andres Schipani e Robert Wright | Financial Times
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