2 de novembro de 2012

Estivadores em luta contra desemprego e precariedade nos portos


No dia 14 de agosto último, os trabalhadores portuários portugueses iniciaram uma firme e corajosa luta contra a proposta de lei de alteração do Regime Jurídico do Trabalho Portuário apresentada pelo governo de Passos Coelho. Se esta lei entrar em vigor, serão destruídas conquistas históricas da classe, como o acordo que, no Porto de Lisboa, impede desde 1995 que o número de trabalhadores eventuais não possa ultrapassar 25% do total de trabalhadores efetivos. “É esse acordo que, com a nova lei, os patrões estão a querer rasgar, as empresas querem o trabalho precário”, explica António Mariano, estivador desde 1979.
Atualmente, há cerca de 800 estivadores a trabalhar nos portos portugueses como profissionais da atividade e algumas centenas de trabalhadores precários. A existência desses últimos é admitida pelos sindicatos porque a necessidade de mão de obra no porto flutua de acordo com a quantidade de navios atracados. “Como a nossa fábrica vai-se embora todos os dias, achamos que deva haver alguma flexibilidade”, refere. Conforme o também previsto no acordo de 1995, quando é preciso substituir trabalhadores efetivos, por razão de reforma ou qualquer outra, são os precários que irão ocupar o lugar.

O que se passa agora é que o governo quer que uma parte dos postos de trabalho efetivos deixe de ser considerada de estiva e passe a ser feita por trabalhadores precários. Para isso, a legislação consideraria trabalho de estiva apenas aquele feito a bordo dos navios fundeados no porto, e não, como até agora, toda a atividade desenvolvida na área portuária O trabalho executado em terra passaria a ser feito por qualquer trabalhador, por um salário muito mais baixo, sem direitos e sem vínculo laboral estável, subordinado a empresas subcontratadas.
Este modelo já está a ser implementado no Porto de Leixões, onde, segundo Mariano, não é admitido um único trabalhador efetivo há 20 anos. O sindicato de Leixões pertence a uma federação filiada à UGT. “Isso se deu em violação da lei, porque a lei que existe hoje em Portugal diz que todo o trabalho de movimentação e controlo de carga na zona portuária tem de ser feito por estivadores com carteira profissional.”
Os patrões dos estivadores são as empresas de estiva. As duas grandes nacionais são a Mota Engil e a Empresa de Tráfico e Estiva. Há uma empresa de Singapura, a PSA, implantada no Porto de Sines (responsável pela maior atividade portuária no país), que, de acordo com Mariano, também está por trás das pressões para alterar a legislação.
Guerra permanente
Apesar do acordo de 1995, as empresas fazem de tudo para desrespeitá-lo. O processo de passagem a permanente dos trabalhadores precários para preenchimento das vagas abertas nas últimas duas décadas quase sempre passaram por formas de luta. “Embora os patrões tenham feito o acordo, quando a mão de obra está nos limites e não consegue responder às necessidades do porto, nós exigimos que sejam feitas admissões, e o patrão não quer, e nós fazemos greve; e, depois de as greves estarem anunciadas ou em execução, as admissões acontecem.”
Nos últimos meses os estivadores estavam a ser obrigados a trabalhar entre dois a três turnos porque os patrões não praticavam o acordo de admissão de trabalhadores para substituir os que se afastavam. “E o que é que acontece? Os trabalhadores que cá estavam, obrigados a trabalhar 2 a 3 turnos por dia, às vezes atingiam valores salariais superiores. Estamos a falar de salários brutos. Mas nós fazíamos esse volume de trabalho para os navios não fugirem. Os patrões é que não nos podem acusar de, por um lado, trabalharmos para os navios não fugirem, e por outro lado ganharmos muito dinheiro. Provavelmente querem que os estivadores façam o trabalho de borla”, diz Mariano. Ele defende que os empregadores nos portos deviam contratar mais trabalhadores do que contratam hoje. “No mínimo poderiam ser contratados mais 50 trabalhadores no Porto de Lisboa.”
Receber altos salários, de até 5 mil euros, é uma das mentiras contadas pelos patrões e o governo para jogar a população contra os estivadores. “O nosso salário em Lisboa, mesmo em topo de carreira, não ultrapassa os 2 mil euros por mês brutos”, garante Mariano. Para os trabalhadores mais novos, os valores giram em torno de 900 euros. “Os trabalhadores começam por ganhar 4 euros a hora para desenvolver uma atividade extremamente perigosa, para andar debaixo de contentores que pesam 20, 30 toneladas. E quando há um acidente não é só a unha que se parte, são acidentes muito violentos e muito complicados.” Eventualmente, ao fim de 17 anos de carreira, poderão estar a ganhar 8 ou 9 euros a hora. “O que acontece, e essa é uma das razões da nossa luta, é que temos de fazer sempre greves para os empregadores admitirem trabalhadores, e mais uma vez nós estamos a chegar a um ponto de rutura.”
“Nós não vamos desistir de lutar”
Depoimento do estivador António Mariano, um dos trabalhadores presentes nas concentrações e manifs contra as medidas de austeridade do governo.
“O primeiro dia de paragem total foi no dia 14 de agosto, em que estiveram muitos de nós reunidos em Sines, e daí para cá diria que já estive mais de 70 dias de greve no Porto de Lisboa. De onde vem esta forma de estar? Os sindicatos dos estivadores existem desde 1896, tem uma história, tem uma memória, coisas que passam de pais para filhos, netos... Hoje talvez seja mais fino ser estivador, mas não é menos violento.
Trabalhamos ao sol, à chuva e ao frio 362 dias por ano, só paramos três dias por ano. 24 horas por dia. Normalmente os trabalhadores efetivos trabalham 16 horas. O que acontece é que ultimamente até 24 horas por dia os estivadores têm trabalhado. Porque das duas uma: ou nos vamos embora e o navio fica mais tempo em porto com prejuízo para o porto e a economia ou, para impedir que isso aconteça, trabalhamos horas brutais.
Os estivadores têm algo que gostariam de explicar aos outros setores de atividade: é que a melhor forma de lutar pelos seus direitos é estar sindicalizado. Os estivadores são sindicalizados a 100%. Esta sindicalização a 100% conduz a greves que são respeitadas a 100%. À comunicação social não interessa mostrar o nosso exemplo. Não fala de nós, porque não interessa falar de um setor de atividade que, quando para, para a 100%.
Estamos em todas [as mobilizações] porque está em curso uma campanha para destruir a nossa atividade e, não sendo possível, através dos órgãos de comunicação normais, chegar aos portugueses para contar a nossa história, tivemos que criar canais alternativos. Um dos canais alternativos é estar em contacto direto com as pessoas onde quer que seja. Sejam manifestações da CGTP, sejam manifestações de movimentos não alinhados, movimento sociais, estamos em todas. Distribuímos folhetos junto de locais de grande circulação de pessoas, para além de utilizarmos um dos meios mais eficazes hoje em dia que é a Internet.
No dia 25 de setembro, um grande número de portos europeus estiveram parados em solidariedade com os estivadores portugueses por uma razão muito simples: porque os estivadores em Portugal vão ser um balão de ensaio para os europeus. Se Portugal desregulamentar-se totalmente, se forem criados aqui portos de conveniência, abre-se um precedente perigoso para a Europa.
A Comissão Europeia está também a delinear uma nova diretiva à semelhança de duas anteriores que foram rejeitadas no Parlamento Europeu. Isso porque os estivadores foram a Estrasburgo e manifestaram-se violentamente contra aquilo [em janeiro de 2006, para protestar contra a liberalização dos serviços portuários]. A abrangência do ataque é mesmo para destruir tudo. Para não ficar um estivador de pé.
Claro que vamos estar na greve geral. Não somos diferentes, o que acontece é que, além de toda a bateria de ataques que os portugueses estão a sofrer, os estivadores sofrem um ataque dirigido que é despedi-los e substituí-los nos mesmos postos de trabalho por trabalhadores precários. É isto que torna a nossa reação mais violenta e nos dá toda a razão para estar nessa luta.
Nós não vamos desistir de lutar contra isso. E a nossa greve vai continuar até quando for necessário.”
Entrevista dada a Cristina Portella e Tiago Castelhano

2 comentários:

Unknown disse...


caros Amigos e Companheiros:

Nunca referi em qualquer circunstância que o novo regime jurídico do trabalho portuário em perspectiva, nada alteraria relativamente ao âmbito do exercício do trabalho portuário ainda vigente.
O que sempre disse e mantenho, é que o texto da proposta de lei conhecida, não deixa antever um regime tão gravoso quanto se disse e fez propalar.
Pelo que leio das palavras do meu Amigo Mariano, pela proposta do novo regime, o exercício do trabalho portuário passará exclusivamente a desenvolver-se a bordo.
Ora eu não entendo assim, já o expressei e volto a sublinhar. Da definição de "movimentação de cargas" constante do texto da proposta de lei, tal conclusão não se mostra possível de inferir.Nem mesmo no primeiro DRAFT, do conceito definido de "movimentação de cargas" que apresentava, tal se poderia concluir.Muito menos desta proposta de lei!
Parece-me negativo, persistir-se naquela leitura.Não sei mesmo se desse "vício" não poderão advir efeitos nefastos.

Saudações Sindicais
FGOMES

03 de Outubro de 2012

EstivadoresAveiro disse...

Senhor Fernando,
registamos a sua interpretação do chamado "draft" do novo regime de trabalho portuário.

Cumprimentos

O.Miguel08