4 de fevereiro de 2011

Tudo o que espoliámos à “geração sem remuneração”

Há 30 anos, quando Rui Veloso fixou um estereótipo da minha geração em “A rapariguinha do Shopping”, a letra do Carlos Tê glosava a vaidade de gente humilde em ascensão social, fosse lá isso o que fosse: “Bem vestida e petulante/Desce pela escada rolante/Com uma revista de bordados/Com um olhar rutilante/E os sovacos perfumados/…/Nos lábios um bom batom/Sempre muito bem penteada/Cheia de rimel e crayon…”
Hoje, quando os Deolinda entusiasmam os Coliseus de Lisboa e do Porto, o registo não podia ser mais diferente: “Sou da geração sem remuneração/E não me incomoda esta condição/Que parva que eu sou/Porque isto está mal e vai continuar/Já é uma sorte eu poder estagiar…” Exacto: “Já é uma sorte eu poder estagiar”, ou mesmo trabalhar só pelo subsídio de refeição, ou tentar a bolsa para o pós-doc depois de ter tido bolsa para o doutoramento e para o mestrado e nenhuma hipótese de emprego. Sim, “Que mundo tão parvo/Onde para ser escravo é preciso estudar…”
É a geração espoliada. A geração que espoliámos.
Quiseram tudo: bons salários, sempre a subir, e segurança no emprego; casa própria e casa de férias; um automóvel para todos os membros da família; o telemóvel e o plasma; menos horas de trabalho e a reforma o mais cedo possível. Pensaram que tudo isso era possível e, quando os avisaram que não era, fizeram como as lapas numa rocha batida pelas ondas: enquistáram nas posições que tinham alcançado. Começaram a falar de “direitos adquiridos”. Exigindo cada vez mais o impossível sem muita disposição para darem qualquer contrapartida. Eram as “conquistas de Abril”.
E observe-se como nos roubaram as pensões a que, teoricamente, um dia vamos ter direito: a reforma Vieira da Silva manteve com poucas alterações o valor das reformas para os que estão quase a reformar-se ao mesmo tempo que estabelecia fórmulas de cálculo que darão aos jovens de hoje reformas que corresponderão, na melhor das hipóteses, a metade daquelas a que a geração mais velha ainda tem direito. Eles nem deram por isso. Afinal como poderia a “geração ‘casinha dos pais’” pensar hoje no que lhe acontecerá daqui a 30 ou 40 anos?
Esta geração nunca se revoltará, por estar “aborrecida”, ou “entediada”, com o progresso “burguês”. Esta geração também não se mobilizará porque… “talvez foder”. Mas esta geração, que foi perdendo as ilusões no Estado protector – ela sabe muito bem como está desprotegida no desemprego, por exemplo… –, habituou-se também a mudar, a testar, a arriscar e, sobretudo, a desconfiar dos “instalados”.
Esta geração talvez já tenha percebido que não terá uma vida melhor do que a dos seus pais, pelo menos na escala que eles tiveram relativamente aos seus avós. Por isso esta geração não segue discursos políticos gastos, nem se deixa encantar com retóricas repetitivas, nem acredita nos que há muito prometem o paraíso.
Por isso esta geração pode ser mobilizada para o gigantesco processo de mudança por que Portugal tem de passar – mais do que um processo de mudança, um processo de reinvenção. Portugal tem de deixar de ser uma sociedade fechada e espartilhada por interesses e capelinhas, tem de se abrir aos seus e, entre estes, aos que têm mais ambição, mais imaginação e mais vontade. E esses são os da geração “qualquer coisa” que só quer ser “alguma coisa”. Até porque parvoíce verdadeira é não mudar, e isso eles também já perceberam…

3 comentários:

ACCS disse...

tudo isto é verdade, infelizmente, e o autor só se esquceu de uma coisa....
os pais dessa "geração qualquer coisa" foram apelidados de "geração rasca"....
acho que estará na altura de esta geração rasca mostrar que afinal quer ser alguma coisa!!!!

Herculano disse...

Nós, pais da geração rasca, fomos os últimos filhos que obedeceram aos seus pais e os primeiros pais que obedeceram aos seus filhos!...
Não nos culpem desta calamidade que é o desemprego! Sabemos que já tivémos muito, mas somos os mais capazes de vivermos, daqui p'rá frente, com muito pouco!...

eventual disse...

quem fala assim com certeza nunca foi eventual
pois neste momento quem esta habituado a viver com muito pouco sao os eventuais que nem o ordenado minimo conseguem ganhar, agora voces nem deviam dizer essas coisas, fica vos mal pois todos sabemos que as vossas casas sao e sempre foram casas fartas aproveitaram o que puderam e nao vos condeno por isso mas condeno vos por nao ter feito as coisas de maneira inteligente pois se o tivessem feito talvez as coisas agora nao tivessem tao más para os nossos colegas da vougamar por exemplo ou para os eventuais com quem nunca se preocuparam mas que tantas vezes vos aliviaram as costas para voces irem a vossa vida, mesmo quando queriam apenas ver um jogo de futebol, esta é a nossa herança este é o pais que nos deixam... MAIS VALIA SERMOS ORFÃOS