Resistiu a provações. Uniu muita gente dos dois lados do Atlântico.
Permitiu que alunos aprendessem mais sobre os oceanos e os sítios por
onde tem passado. Despertou a generosidade de quem o foi encontrando. E
agora está a ser útil à ciência e até tem algo muito português a bordo. É
a aventura de um minibarco não tripulado que tem viajado à deriva.
Foi pintado pelos alunos de uma escola de Deep River, uma cidadezinha
norte-americana perto da foz do rio Connecticut, com cerca de 4500
habitantes. Há dois anos, começou por ser deixado à sua sorte, a norte
das ilhas Baamas. À deriva, empurrado só pelo vento e pelas correntes,
regressou a terra, mas voltou a ser largado no mar, enfrentou dois
furacões, atravessou o Atlântico – e, após outras aventuras, deu à costa
portuguesa a 29 de Janeiro deste ano, mais exactamente à praia da vila
da Torreira, no concelho da Murtosa.
Quis o acaso que esta mensagem oriunda do lado de lá do Atlântico em
forma de barco, mais pequeno do que um adulto (tem 1,4 metros de
comprimento), viesse cruzar-se no caminho de Vanessa Rodrigues, quando
ela passeava com o namorado na praia da Torreira. “Estava quase todo
enterrado na areia, tinha só um bocado do casco a ver-se”, conta Vanessa
Rodrigues, de 21 anos, auxiliar numa colónia de férias naquela vila.
“Foi na altura em que houve muitas tempestades. Como saem do mar
muitas coisas com o mau tempo, tínhamos ido de moto-quatro ver as dunas.
E vimos o barco metido lá. Estava longe da água e da área de
residências. Aquela não é uma zona balnear.”
Colado no convés, trazia um pequeno texto em inglês. “Dizia que tinha
vindo de uma escola, e quem o encontrasse para contactar a mesma
entidade”, lembra Vanessa Rodrigues.
Trazia ainda os contactos da Escola Preparatória John Winthrop, em Deep River e do site do Educational Passages,
um programa educativo sobre ciências do mar destinado às escolas nos
Estados Unidos. Esta ideia partiu de Richard Baldwin, um antigo
navegador solitário norte-americano de 67 anos que, quando decidiu
deixar-se dessas navegações, perguntou-se o que podia fazer continuar a
divertir-se: “Não levei muito tempo a perceber que podia instalar
unidades GPS em pequenos barcos não tripulados e segui-los pelos oceanos
no conforto e na segurança da minha sala-de-estar”, conta-nos.
Lançou-se ao projecto em 2006, na garagem da sua casa: “Comecei a
fazer pequenos barcos que se endireitavam e navegavam sozinhos durante
meses e meses, sem ajuda de alguém.” Mas como não era fácil, pediu a
arquitectos navais que desenhassem o modelo dos barcos, que hoje são
construídos numa escola de ensino profissional no Maine, Estados Unidos.
Em 2008, o programa passou a envolver escolas, que pagam até 1500
dólares (1100 euros) por cada barco, incluindo os equipamentos e o
lançamento no meio do mar: “É um óptimo programa para as escolas, pois
envolve leitura de mapas, geografia, oceanografia, ciências da Terra e
relações internacionais”, diz Richard Baldwin. “Até agora, já lançámos
mais de 40 barcos e as travessias transatlânticas estão a tornar-se uma
rotina.”
Vanessa Rodrigues e o namorado levaram o seu achado para casa. Ela
foi ao site do Educational Passages. Aí, é possível ver com o Google
Maps grande parte do percurso do barco, graças a um transmissor via
satélite a bordo que envia, duas vezes por dia, a sua posição geográfica
obtida por receptores GPS. “Dizia quando tinha saído da escola, quando o
tinham posto no mar… No ´site’ até aparecia a fotografia aqui de casa a
dizer que o barco estava aqui…”
No mesmo dia em que o encontrou (6 de Fevereiro), refere Vanessa
Rodrigues, ela enviou um email a informar a escola norte-americana que o
tinha consigo. “Responderam-me uns dois dias depois.”
Nos Estados Unidos, já sabiam as coordenadas geográficas do
barquinho, assim que o transmissor via satélite comunicou que tinha
estacionado na praia da Torreira. Nos dias decorridos entre a chegada à
praia e ter sido encontrado, os seus “padrinhos” norte-americanos
tentaram encontrar alguém que o fosse procurar. E voltasse depois a pôr
na água, como é o objectivo do projecto.
Surpreendentemente, o mundo pode ser pequeno e dar-se a coincidência
de haver alguém que conhece alguém que conhece alguém..., como aconteceu
justamente nesta história. A professora que orientou os alunos na
pintura do minibarco, Barbara Nidzgorski, falou da chegada dele a
Portugal a um investigador espanhol seu conhecido, Alfredo Aretxabaleta,
que por sua vez divulgou isso no Facebook. E o que escreveu foi por sua
vez lido por dois amigos, antigos colegas seus no curso de Ciências do
Mar nas ilhas Canárias, os espanhóis Francisco Campuzano e Hilda de
Pablo.
Acontece que os dois amigos de Alfredo Aretxabaleta trabalham em
Lisboa, como investigadores no Centro de Ambiente e Tecnologias Marinhas
(Maretec) do Instituto Superior Técnico (IST). Claro que se oferecem
logo para ajudar.
Este círculo fechou-se quando Barbara Nidzgorski deu os contactos de
Vanessa Rodrigues a Hilda de Pablo, para que fosse buscar o barquinho.
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