O sol acariciava o bonito início de tarde no porto de
Aveiro, esse local multi-étnico onde se cruzam o homem a terra e o mar. Ainda
nos falta para chegarmos ao último plano da carga de pasta de papel. O calor
obriga-nos a uma difícil respiração, e o último plano já me esta a ressoar na
mente, pois esse é que me vai fazer abraçar a brisa fresca, depois de quase ter
sido assado pelo implacável sol. Até este momento já o silencio se instalou
no porão, pois o que nós procurávamos eram os centímetros de sombra que se faziam
sentir na amurada de bombordo, e onde uma muito ligeira aragem fresca corre
pela amurada abaixo, e morre a meus pés. E lá vem a lingada que nos vai dar
acesso ao ultimo plano, aquele que nos vai deixar rever novamente a malta que
anda pelo caís, as máquinas, camiões, barulhos etc…Já em cima, do chamado último
plano, ai está a brisa fria e agreste de fim de tarde que vem do norte, com ar
carregado de aroma da maresia. Dum lado, o terminal sul do porto de Aveiro, a
azáfama do costume na encruzilhada de camiões e máquinas, esse movimento que
para quem não está habituado parece um movimento negligenciado. Do outro lado,
o vasto lençol de água, já agitado pelo vento que nos visita vindo do norte e
provoca a bruma que solta esse aroma tão nosso conhecido. Durante o decorrer da
carga do último plano vou contemplando a paisagem, deixo-me levar pelos
movimentos das brumas, e dou por mim a olhar para o outro lado da ria. Onde
posso ver uma fiada de pinheiros, marinhas de sal, muitas já ao abandono,
algumas que deram lugar aos viveiros e uma pequena língua de areia branca.
Mesmo na nossa direcção os restos mortais de uma pequena casa de marnoto que
teimou em ruir, como que a pedir ajuda . Logo ao lado aprisionado pelo tempo e
pela ria, o poste de alta tensão, esse verdadeiro sentinela do tempo desde à 19
anos. E o plano já vai a quase no fim, essa agradável sensação do dever
cumprido e de mais uma vez termos superado as previsões. A maré já mudou de
direcção, e só faltam duas lingadas para sentir os pés novamente em terra. E lá
vem a ultima…desengata diz o encarregado, its ok? , pergunta feita ao oficial.
Yes, it´s ok. E um derradeiro olhar é lançado no último plano com orgulho em mais
um dia de trabalho. E já com a entranhas preenchidas pela carga, o cargueiro
torna-se visita dos fotógrafos…feitos os registos em fotos…dizemos adeus a mais
um dia no porto.
Cumprimentos
08
1 comentário:
Também gostei de te ver chegar ao último plano, é sinal que já não falta tudo para terminar a tarefa do navio carregado. Quando vejo vídeos a dizer que há talento no cais, apraz-me dizer que aqui também há talento, talento literário neste colega.
Esta narrativa faz-me lembrar passagens de escritores mais antigos tais como Alves Redol e Bernardo Santareno.
Na TVI diz-se a tua cara não me é estranha, eu digo o teu talento não me é estranho.
Miguel Sousa Tavares disse algo deste género:
Um homem com ideias, com uma caneta na mão com uma folha de papel e um lugar onde publicar essas mesmas ideias tem muita força.
Essas ideias penso que devem ser apresentadas com transparência e lealdade na transcrição de factos vividos no nosso dia-a-dia.
Obsv:
Só uma dúvida como é que descobriste que o poste tinha 19 anos, cá para mim mandas-te tirar amostras.
Abel Borges (pediu para publicar este comentário)
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