14 de março de 2012

Carta aberta aos estivadores selvagens

Caros estivadores selvagens, dirijo-me a vocês desta maneira porque trabalham na estiva mas, como em todos os casos, é possível que nem todos os estivadores tenham o vosso espírito rebelde. Chamo-vos selvagens no melhor sentido da palavra; para mim, selvagem é como rebelde, indomável, insubmisso. Do que conheço de vocês, colectivamente têm tido essa força.
Estou a escrever-vos porque quero dizer-vos algo, assim como quero que esse algo seja lido e reflectido por mais do que os receptores directos desta carta.
Estamos todos a ser encostados à parede: pela economia, pela burocracia, pela polícia, pela repetição sufocante de momentos que nos são impostos. Se há territórios como a Grécia onde a resposta tem colocado as instituições em cheque, em Portugal a verdade é que, salvo raras excepções, temos sido piegas. A resposta é tão branda, inócua e controlada que o filha da puta do Passos se dá ao luxo de gozar com ela. E o problema é que tem razão.
Ainda assim, aqui e ali vai surgindo algo, um fôlego que tenta encher-nos os pulmões: na resistência ao ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, nos ataques às portagens, na interrupção das negociações entre sindicatos e patronato da TAP, nas repartições de finanças atacadas, no cerco ao hospital de Valpaços sob ameaça de enncerramento. Precisamos de tudo para fazer frente ao aperto estamos a sofrer – precisamos também de rejeitar as instituições que nos querem aproveitar. Por uma questão de dignidade.
É por isto que vos estou a escrever. Porque se mantêm, ao longo dos anos, fortes e rebeldes. Porque obrigam o sindicato a fazer o que vocês querem. Porque rejeitam a representação mediática. Porque desobedecem à CGTP e aos outros “representantes dos trabalhadores”. Porque são um ponto de referência para outras pessoas que não se revêem na política, nem na cedência, nem na delegação. E é por serem esse ponto de referência que tanto o serviço de ordem da CGTP como os paisanos da bófia, têm tanta preocupação em flanquear-vos nas manifestações. Para se assegurarem que não se protejem uns aos outros quando a polícia tenta identificar alguém, para vos isolarem do resto das pessoas, com medo de que as vossas palavras contagiem o protesto e o barulho dos petardos rebente os tímpanos da lei e da ordem.
Num território em que colectiva e publicamente somos fracos, vocês são um dos casos que inspiram outros e mostram que nem todos estamos mortos. Por isso vos peço que continuem assim, que não se deixem comprar por patrões nem manipular por burocratas sindicais. Que mantenham a vossa rebeldia e independência.
Que todo o espectro político perca a força de controlar quem sai à rua, que todos saibamos estar sem partidos nem sindicatos, uns com os outros, apoiando-nos contra quem nos quer ver miseráveis, presos ou domesticados. Que saibamos ganhar a nossa força, porque precisamos dela e precisamos de encontrar os momentos, colectivos e individuais, onde a aplicarmos e aumentarmos. Nas grandes manifestações ou nas pequenas acções. Que todos saibamos ser uma referência uns para os outros e alimentemos de alegria estes corações que líderes e burocratas querem ver parados.
Um dos que a 11 de Fevereiro preferiu ouvir os petardos do que os discursos.
Fonte: indymedia