Caros estivadores selvagens, dirijo-me a vocês desta maneira porque
trabalham na estiva mas, como em todos os casos, é possível que nem
todos os estivadores tenham o vosso espírito rebelde. Chamo-vos
selvagens no melhor sentido da palavra; para mim, selvagem é como
rebelde, indomável, insubmisso. Do que conheço de vocês, colectivamente
têm tido essa força.
Estou a escrever-vos porque quero dizer-vos algo, assim como quero
que esse algo seja lido e reflectido por mais do que os receptores
directos desta carta.
Estamos todos a ser encostados à parede: pela economia, pela
burocracia, pela polícia, pela repetição sufocante de momentos que nos
são impostos. Se há territórios como a Grécia onde a resposta tem
colocado as instituições em cheque, em Portugal a verdade é que, salvo
raras excepções, temos sido piegas. A resposta é tão branda, inócua e
controlada que o filha da puta do Passos se dá ao luxo de gozar com ela.
E o problema é que tem razão.
Ainda assim, aqui e ali vai surgindo algo, um fôlego que tenta
encher-nos os pulmões: na resistência ao ordenamento do Parque Natural
do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, nos ataques às portagens,
na interrupção das negociações entre sindicatos e patronato da TAP, nas
repartições de finanças atacadas, no cerco ao hospital de Valpaços sob
ameaça de enncerramento. Precisamos de tudo para fazer frente ao aperto
estamos a sofrer – precisamos também de rejeitar as instituições que nos
querem aproveitar. Por uma questão de dignidade.
É por isto que vos estou a escrever. Porque se mantêm, ao longo dos
anos, fortes e rebeldes. Porque obrigam o sindicato a fazer o que vocês
querem. Porque rejeitam a representação mediática. Porque desobedecem à
CGTP e aos outros “representantes dos trabalhadores”. Porque são um
ponto de referência para outras pessoas que não se revêem na política,
nem na cedência, nem na delegação. E é por serem esse ponto de
referência que tanto o serviço de ordem da CGTP como os paisanos da
bófia, têm tanta preocupação em flanquear-vos nas manifestações. Para se
assegurarem que não se protejem uns aos outros quando a polícia tenta
identificar alguém, para vos isolarem do resto das pessoas, com medo de
que as vossas palavras contagiem o protesto e o barulho dos petardos
rebente os tímpanos da lei e da ordem.
Num território em que colectiva e publicamente somos fracos, vocês
são um dos casos que inspiram outros e mostram que nem todos estamos
mortos. Por isso vos peço que continuem assim, que não se deixem comprar
por patrões nem manipular por burocratas sindicais. Que mantenham a
vossa rebeldia e independência.
Que todo o espectro político perca a força de controlar quem sai à
rua, que todos saibamos estar sem partidos nem sindicatos, uns com os
outros, apoiando-nos contra quem nos quer ver miseráveis, presos ou
domesticados. Que saibamos ganhar a nossa força, porque precisamos dela e
precisamos de encontrar os momentos, colectivos e individuais, onde a
aplicarmos e aumentarmos. Nas grandes manifestações ou nas pequenas
acções. Que todos saibamos ser uma referência uns para os outros e
alimentemos de alegria estes corações que líderes e burocratas querem
ver parados.
Um dos que a 11 de Fevereiro preferiu ouvir os petardos do que os discursos.
Fonte: indymedia
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