21 de janeiro de 2011

Os Portos e seus Clientes - Por João Carlos Quaresma Dias. Presidente do Conselho Português de Certificação Logística (CPCL)

São os portos parte do domínio público municipal? Negativo! Existe em Portugal o domínio público portuário? Não!!! Em Portugal oficialmente não há portos porque não existe uma Lei dos portos como em Espanha ou França. Definem-se em vários diplomas, zona portuária, trabalho portuário, empresa de estiva, tudo, menos porto!
Finalmente, a referência a uma confusão muito frequente que convém esclarecer e desmistificar; a administração portuária que assume a função de autoridade portuária não é o porto, mas tão-só uma das suas partes. Os concessionários são porto; a comunidade portuária em geral é parte do porto. As várias autoridades do Estado são do porto. As infra-estruturas e as acessibilidades são porto. As plataformas que formam polaridades logísticas com as plataformas portuárias são efectivamente porto. Muitas entidades públicas e privada são porto.As câmaras de comércio e as associações empresariais e sindicais ainda são porto!E a gestão dos parques naturais e redes “natura” inclusas são ou não são também porto? Se não são devem passar a ser.
Neste contexto quando alguns governos, sem saber onde têm os pés, decidem «mexer» na autoridade portuária pensando que estão a alterar profundamente a interface portuária, cometem um erro de palmatória. Quem quiser melhorar a performance dos portos em Portugal tem de considerar o todo sistémico, em conjunto, numa visão integrada.Erros políticos cometidos nos portos pagam-se caro com impacte directo na economia do país. Além disso, tais erros que conduzam ao desprestígio das autoridades portuárias podem amplificar-se gravemente, em efeito de chicote, podendo alterar a integração alfandegária ou afectar o Port State Control, afectar a implementação de investimentos, ou desprezar o impacto económico e social que cada porto detém no tecido regional envolvente.
Pescas, recreio e lazer, marítimo-turísticas, travessias fluviais, juntamente com os terminais comerciais não são um conjunto portuário?
Voltamos novamente ao princípio; o que é então um porto?
Uma coisa é certa; as administrações portuárias não são “o porto”; longe disso. Um porto é uma entidade muito complexa, dinâmica e adaptativa.Mas, sendo actualmente os concessionários de terminais elos logísticos no transporte-porta-a-porta (d2d) parceiros de redes colaborativas com os seus clientes/fornecedores, os grandes armadores marítimos, faz sentido que uma autoridade ou autoridade dizer que tem clientes?Nestas condições, o que será ou quem são, então, os clientes de um porto?
Tomemos como exemplo um porto nacional supostamente a funcionar num regime integral de «Landlord Port» tal como a Lei obriga em que todos os seus terminais comerciais de serviço público estão ou já deveriam estar concessionados. Assim, os clientes dos concessionários são, directamente, clientes do porto independentemente da autoridade portuária, marítima ou aduaneira. Existem portanto negócios, entre clientes e fornecedores e que, na maior parte das vezes se realizam com um importantíssimo intermediário: os grandes armadores marítimos. Eles controlam a indústria marítimo-portuária mundial bem como a maioria dos contratos realizados entre quem produz e quem consome e que use (às vezes não) o modo marítimo para a respectiva circulação física.Existe pois um mercado de serviços de movimentação portuária com preços máximos tabelados e autorizados pelo arrendatário, licenciador e concedente a autoridade portuária, eventualmente funcionando como regulador do mercado intra-porto.
E os carregadores que são clientes das empresas concessionárias de serviço público serão, por isso, clientes do porto? E pagando taxas de utilização do porto pela carga, mesmo quando o concessionário paga rendas variáveis em função da carga movimentada, são clientes ou utentes relativamente à Autoridade portuária que recebe tais verbas por interpostas pessoas?
Normalmente não são. Isto porque, normalmente, delegam num grande armador marítimo directamente ou, indirectamente, num transitário ou operador logístico que por sua vez tem como parceiro um grande armador que, como se referiu, concretizará o negócio circulando por onde entende melhor e como achar melhor para o interesse de todos os participantes nas redes envolvidas.
E nas concessões de uso privativo? Sendo tais concessionários indubitavelmente clientes do porto na qualidade de inquilinos das administrações portuárias, que além de senhorios são fiscais serão, por isso, clientes das suas concedentes?Nas áreas dominiais portuárias existem também restaurantes, lotas, lojas diversas, pisciculturas, etc. As autoridades portuárias cobram rendas pelo que, mais uma vez, se devem considerar senhorios e não fornecedores de serviços. Serão os clientes desses restaurantes, lotas e lojas clientes dos portos respectivos?
Quanto aos serviços de pilotagem oferecidos pelas Autoridades portuárias de compra ou utilização obrigatória não pode dizer-se que exista, neste domínio um mercado portuário pelo que não faz qualquer sentido falar-se em clientes mas tão-só em utentes.Noutros serviços portuários tais como amarração e reboque de navios em que existem vários prestadores pode falar-se em mercado onde uns são fornecedores e outros clientes. Poderão designar-se todos, ou apenas alguns deles, por clientes desses portos ou das respectivas Administrações portuárias?Com este modelo gestionário não mais se deve sequer imaginar mercado com clientes de Administrações portuárias nem estas entidades terão a ver, seja o que for (e já não têm hoje muito), com clientes do portos e respectivas Cadeias de Valor. Não participando nestas cadeias, emparedadas pelas autoridades aduaneiras, marítimas, etc., as autoridades portuárias remanescerão apenas como elos ou interfaces de cadeias de custos, «testas-de-ferro» daquelas outras entidades e cada vez mais afastadas, economicamente, das regiões e hinterlands em que se deveriam inserir.
Às questões postas, o que é afinal um porto e um cliente de um porto?Pode hoje dizer-se com toda a propriedade que são os armadores marítimos os principais clientes dos concessionários dos terminais dos portos e logo dos portos. Outras vezes, este lugar é ocupado por transitários, agentes de navegação e/ou operadores logísticos, parceiros desses grandes armadores e funcionado em seu nome.Por tudo isto e muito mais, face à complexidade envolvente, indefinição política, experimentalismo centralista e prática simultânea de políticas contraditórias é que muitas abordagens foram já tentadas e alguns modelos apresentados.Porto é, essencialmente, uma realidade mutante diferente em cada instante, não coincidente de local para local e feita muito mais pelo dinamismo dos mercados do que pela vontade centralista de um qualquer Governo.
Ainda menos dos nossos governos e governantes, na maior parte dos casos ignorantes de quase tudo mas, pior, compreendem pouco de quase nada excepto daquilo que lhes interessa.
O meio nacional marítimo-portuário distingue e sabe bem quem foram as excepções.

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