30 de setembro de 2010

FAZER BEM É CONTRIBUIR PARA UMA JUSTIÇA MELHOR

Gosto de ler artigos de opinião. Na nossa praça jornalística temos excelentes cronistas. Gosto de ler e aprecio Daniel Sampaio, Nuno Rogeiro, Camilo Lourenço, Rui Tavares, Maria José Félix, entre outros.

As crónicas, a que me refiro, são textos em colunas ou de uma página exclusiva, apresentados em jornais e revistas, que versam assuntos da actualidade; outras vezes os seus autores fazem uma análise da política nacional, ou apresentam críticas de coisas que julgam de interesse público.
No passado dia 3 do corrente mês de Setembro, o país ficou a conhecer, através da leitura do acórdão, pela juíza presidente do colectivo Ana Peres, das penas aplicadas aos arguidos do processo “Casa Pia”. Entre os sete arguidos presentes, houve um caso que mereceu absolvição. Os restantes seis arguidos foram condenados, mas à excepção de Carlos Silvino, os restantes condenados, não seguiram, de imediato, para o local onde deverão cumprir as suas penas, mas aguardam em liberdade concedida pelo requerimento dos respectivos processos de recurso.
As seis condenações, com penas pesadas, foram o resultado de mais de 140 crimes. Tudo somado, são mais de 50 anos de prisão e um montante de 2.265.000 euros para pagar as indemnizações.
E, assim, ao cabo de quase seis anos de trabalho judicial – em 23 de Outubro de 2002 uma reportagem do jornal Expresso denunciava o abuso a menores na Casa Pia – foi concluído o processo, que passou pela investigação, pelo estudo das provas, pela inquirição às testemunhas e aos arguidos, pelas conclusões, para chegar à decisão final em forma de julgamento. Envolvidos inúmeros meios materiais e humanos que custaram uma fortuna ao tesouro público, tratou-se de um caso que vai ficar por muitos anos na memória dos portugueses.
Espanta-me ler o seguinte, na crónica do senhor escritor, argumentista e jornalista com licenciatura concluída na Universidade Nova de Lisboa, nascido em Portalegre, em 1967, que se chama Rui Cardoso Martins, in revista “A Pública” de 12.09.2010, pág. 65: “Linguagem poderosa, adjectivos de medo, há quem goste de falar assim. Os acusados do processo Casa Pia foram condenados. Com isso explicaram, voltou a Idade das Trevas. É legítima a revolta contra uma monstruosidade jurídica baseada em testemunhos delirantes, efabulações ridículas e sem fundamento, etc. As crianças foram abusadas, isso é uma tragédia, mas não por este grupo de inocentes: os culpados, homens mais poderosos, conseguiram escapar. Mas foram abusadas de verdade ou era invenção delirante?”…
Na mesma revista, pág. 4, uma outra opinião, do conhecido médico psiquiatra, Dr. Daniel Sampaio, que sobre o mesmo assunto, disse:”Escrevo a 5 de Setembro, dois dias depois de ser conhecida a sentença do caso Casa Pia. Muito se vai ainda dizer sobre o assunto, mas importa desde já afirmar que o Estado esteve durante muitos anos sem cumprir a intervenção que seria crucial: a protecção das crianças e jovens que, privados de um meio familiar adequado, foram confiados a uma instituição oficial. As más condições de alojamento, a escassez e falta de supervisão dos técnicos da área psicossocial, o ostensivo silêncio sobre as denúncias de abuso são da responsabilidade de todos que dirigiram e tutelaram a Casa Pia durante tantos anos. Neste terrível processo, não se pode falar de vencedores e vencidos, como se de um jogo de futebol se tratasse. Importa no entanto, salientar alguns aspectos: em primeiro lugar, este caso leva a que nunca mais se desvalorize uma denúncia de abuso feita por uma criança. O julgamento credibilizou o testemunho dos jovens, só valorizado anteriormente pela antiga provedora e pelos técnicos de Saúde Mental que sempre – com notável profissionalismo e sentido ético – nunca deixaram, de os apoiar. Depois compreendo o desespero dos condenados a penas tão pesadas”.
Comparando estas duas crónicas, poderei concluir que os autores divergem bastante na apreciação que fazem do caso Casa Pia e do resultado da sentença da responsabilidade de um colectivo de juízes. Como atrás se viu, o sentido crítico destes cronistas, caminhou em sentido contrário. Identifico-me melhor com a opinião do Dr. Daniel Sampaio, enquanto a outra crónica me causa muito repúdio.
Num estado democrático, as opiniões e as críticas cabem no plural da diversidade, nas diferentes personalidades e culturas; é bem-vinda a riqueza que se pode apurar de todas as diferenças, como as gotas do azeite que sobem no líquido e permanecem visíveis em cima, mas o contributo de cada indivíduo para esse estado de direito e público, tem a obrigação de defender, sobretudo, os mais fracos e oprimidos e as vítimas de abusos vários; o contributo deveria ser de todos, com lisura, coerência e inteligência.
Mais: para os ilustres escritores e cronistas, mestres da escrita, que pulam de cátedra em cátedra, de estúdio em estúdio, que gostam de escrever e de encostar o nariz ao microfone, não peço que defendam a classe social que não seja a deles, mas que contribuam com o seu conhecimento, que foi adquirido nas escolas públicas sustentadas pelo dinheiro de muitos trabalhadores contribuintes, para termos um sistema público que saiba fazer justiça e promover o tribunal como instituição de justiça e de ordem, com leis democráticas, que protegem e defendem a nossa sociedade.

Não gosto dos espertos que se julgam melhores ( os bons!), fazendo dos outros figura de tristes e desprezados mentecaptos.

Sem comentários: